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Junto com os pais
William Novaes
Do Diário do Grande ABC
31/07/2011 | 07:13
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Morar sozinho é um sonho para qualquer jovem. É o sinal da independência, garantia da autonomia e a liberdade conquistada. Mas a realidade é outra e cada vez mais os filhos não querem deixar para trás o conforto das casas em que cresceram para se aventurar em um espaço só seu, segundo estudiosos e os próprios jovens e pais ouvidos pela equipe do Diário.

Os motivos são inúmeros. Entre eles estão as comodidades, como roupa lavada, comida na mesa e não precisar arcar com as despesas de um lar. Também entram o casamento tardio, a formação profissional e a principal: o alto custo para uma vida solitária.

Por outro lado, os pais também não cobram a saída dos herdeiros. Muitos aprovam a vida em família por um período maior. O medo da violência e a necessidade de proporcionar uma vida melhor para os rebentos também entram na nessa conta.

Esse é o caso do gerente de recursos humanos Carlos Bolognino, 59 anos, que mora no bairro Santa Paula, em São Caetano. Ele não se queixa da permanência em seu apartamento da filha caçula, a gerente administrativo e financeiro Carla, 26, e da neta Giovana, de 1 ano e 6 meses.

"Não tem o menor problema. Se ela quiser, pode ficar aqui para sempre. Nesse mundo de hoje, com tanta violência, quero dar as melhores condições para ela ser feliz e, se for em casa, melhor ainda", comenta o pai. "Não existe a cobrança e não existe coisa melhor do que chegar em casa e estar tudo certinho. É muito cômodo, mas ajudo nas compras, e meu pai ficou feliz quando o relacionamento com o pai da minha filha terminou e não precisei sair de casa", brinca Carla.

Segundo o professor e pesquisador Oswaldo de Oliveira Santos Júnior, do núcleo de educação e direitos humanos da Universidade Metodista, essa é uma época de super-proteção dos pais em relação aos filhos. "Os casamentos estão demorando mais para acontecer e, além de tudo, morar sozinho custa muito caro", comenta o pesquisador.

Para começar a pensar em largar as mordomias do lar e a garantia de proteção dos responsáveis, só mesmo a concretização de uma condição melhor ou parecida. A ascensão profissional vem em primeiro lugar.

O funcionário público Egidio Molina Aguilera, 32, deu o primeiro passo rumo à independência. Em parceria com a namorada comprou um apartamento na planta e espera a conclusão das obras e entrega das chaves para seguir a sua vida longe das asas dos familiares.

"Essa condição de morar ainda com meus pais até me incomodava um pouco. Mas não tinha condições financeiras de ir morar sozinho e também nunca fui cobrado por eles para sair", conta Egídio.

"Pagar aluguel para quê? Não tem motivo. Aqui é dela também", diz a aposenta Laura Sanches, 64, sobre a saída da única filha de 36 anos da casa onde moram em Santo André. Elaine usou a boa infraestrutura familiar para mudar de carreira e tentar um novo horizonte profissional.

A ex-comissária de bordo pediu demissão após oito anos de empresa e começou um novo curso superior e emprego em outra área. "Sem essa base, provavelmente teria que seguir sendo infeliz no emprego. Isso aconteceu com vários amigos", disse Elaine.

 

 

Filhos aproveitam para juntar dinheiro; pais são apaixonados

Economia e facilidade os filhos dizem de bate pronto. Carinho e paixão são os sentimentos que se percebe nos pais. Os herdeiros aproveitam essa fase para juntar dinheiro para comprar o imóvel e seu próprio veículo, enquanto os responsáveis se preparam para a separação do convívio diário.

A equipe do Diário constatou que os pais querem o melhor para os filhos e são completamente apaixonados. As frases "o importante é que eles sejam felizes", "é tudo deles mesmo" são repetidas quase como um mantra. Mas, por outro lado, os jovens se mostraram bem tranquilos e não sentem culpa de ainda dividirem o espaço com os mais velhos.

"É tudo mais fácil, por que vou largar e morar sozinha? Sei que um dia vou sair, mas por enquanto dá para adiar e não tenho pressa", disse Carla Bolognino, 26 anos.

Segundo o coordenador do curso de pós-graduação em Filosofia na Unifesp Marcelo Carvalho, é um padrão os jovens viverem com os pais por mais tempo na atualidade. "Além de custar mais caro, o casamento deixou de ter papel fundamental. Antigamente as pessoas se casavam mais cedo. As relações familiares mudaram bastante nas últimas décadas."

"Só vou sair de casa quando conseguir comprar o meu apartamento. Pagar aluguel não está nos meus planos", comenta Eliane Murarolli, 36. Ela não arca com nenhuma despesa na residência, mas não é porque não quer.

O seu pai, o aposentado Oswaldo, 70, diz que não é necessário. A mãe faz coro para ela permanecer por quantos anos desejar. "Aqui tem tudo. Se ela quiser, nem precisa sair de casa, e ainda somos amigas, conversamos", disse a aposenta Laura Sanches, 64.

Mas a vida não são somente flores nessas relações familiares. Alguns responsáveis também comentaram que os rebentos são "folgados", mas estes pediram anonimato.

 

Super-proteção pode ser prejudicial, avalia especialista

A super-proteção dos pais em relação aos filhos pode ser prejudicial para o amadurecimento do jovem. Para o professor e pesquisador Oswaldo de Oliveira Santos Júnior, do núcleo de educação e direitos humanos da Universidade Metodista, essa é uma tendência mundial, e o que se vê nas salas de aula e nos empregos são jovens inseguros e despreparados emocionalmente.

"Infelizmente, têm adolescentes com 17 anos que nunca andaram de ônibus ou pelos centros das cidades sozinhos. Isso é muito prejudicial para o desenvolvimento deles como cidadãos", explica Santos Júnior.

Atualmente, os responsáveis fazem de tudo para deixar o filho feliz, ou pelo menos tentam. Os pais, com condições financeiras, arcam com as despesas do curso superior e extracurricular, aparelhos eletrônicos de última geração e outras regalias.

Para o pesquisador, essa geração de adolescentes e adultos acredita que a vida se pareça com a novelinha da tarde da Rede Globo, Malhação. "Muitos alunos acabam chamando em ato falhos os professores de pai. No emprego acreditam que os chefes têm as mesmas funções que os seus pais", comenta.

Segundo o estudioso, a adolescência está durando mais e esse é um problema de toda a sociedade. "O ideal de beleza está nos jovens. O que se vende é a eterna juventude. As pessoas não querem envelhecer, tanto o jovem quanto os adultos."

A possibilidade de uma frustração no futuro é grande para os jovens de hoje. A entrada nas universidades, sem o amadurecimento, pode gerar complicações na vida profissional. A formação universitária não garante mais um emprego, outros requisitos entraram nas seleções das grandes empresas.

"O recém-formado precisa ser capaz de saber onde está pisando, mas o que vemos hoje são jovens extremamente frágeis e que não sabem lidar com a crítica", avalia Izilda Leal Borges, gerente de recrutamento.




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