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Fausto Cestari critica comando da Agência de Desenvolvimento
Antonio Rogério Cazzali
Do Diário do Grande ABC
17/03/2001 | 17:14
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A Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC perdeu seu rumo e já não atende aos objetivos de alavancar a economia regional. Essa é a análise do empresário e vice-presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Fausto Cestari, em entrevista concedida ao Diário.

Protagonista das mais duras críticas dirigidas à Agência, durante o processo de eleição do prefeito de Santo André, Celso Daniel, para o segundo mandato à frente da entidade, Cestari credita esse insucesso ao fato de ela estar sendo dirigida por um “administrador público sem vocação para negócios”.

Cestari participou do processo de formação da organização, em 1998, e integrou a diretoria até o ano passado. Segundo o empresário, os objetivos básicos da entidade, que são o marketing regional, a criação de um banco de dados específico para a região e o fomento de ações empreendedoras, praticamente não existiram nos últimos dois anos.

No próximo domingo, o Diário publica entrevista com Celso Daniel rebatendo alguns pontos levantados por Cestari e apresentando ainda os novos rumos da Agência. Com isso, o jornal abre um espaço de debate sobre o papel da Agência no desenvolvimento do Grande ABC.

Diário – Qual foi seu papel na criação da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC?
Fausto Cestari – Em 1998, participei da criação da Agência, que surgiu com bases bem definidas em razão dos debates ocorridos dentro do Fórum da Cidadania do Grande ABC, de 1994. A Agência foi criada com três objetivos principais: fazer o marketing regional para derrubar a imagem de que, na região, a ação sindical muito forte estaria desmotivando a instalação e permanência das indústrias; construir um banco de dados que revelasse as características socioeconômicas do Grande ABC e estabelecendo diretrizes a partir daí, e estimular ações empreendedoras. Por tudo isso, a Agência deveria ter autonomia, tanto que se constituiu como uma organização não-governamental, e que deveria ser auto-sustentável.

Diário – Por que essa autonomia não foi conquistada? Cestari – Esse processo todo aconteceu na primeira gestão do prefeito Celso Daniel. Hoje, a impressão que tenho é que a Agência não conseguiu ser independente nem cumprir parte expressiva daquela proposta inicial. Não conseguiu se auto-sustentar e nem se completar, pois as diretorias de marketing e de fomento ficaram na teoria. Com relação aos seus objetivos, eu diria que, no marketing, praticamente ela não atuou. No fomento, ela se restringiu a reproduzir ações da Câmara Regional e do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC assumindo, inclusive, a autoria do programa de incubadoras pertencente ao Sebrae. A Agência não apresentou nada de novo. Na questão do banco de dados ela trabalhou apenas com as informações que tinham um viés acadêmico e que se limitavam a constatar dados, mas que não davam margens para análises mais profundas. Eu diria que a Agência acabou sendo uma extensão do que o serviço público já faz.

Diário – Quem é o responsável por esse insucesso?
Cestari – O prefeito Celso Daniel. Ele e seu conselho de diretores. A meu ver, Celso Daniel é um bom administrador público, mas que não tem vocação empresarial. Eu não diria que ele esteja errado, apenas acho que não tem vocação para a coisa. Em síntese, nós colocamos uma Agência que tinha como meta proporcionar o desenvolvimento nas mãos de alguém que está acostumado a conduzir políticas públicas, aliás, coisa que o Celso sabe fazer bem. Precisamos redirecionar a Agência para que ela busque ações concretas, pois é disso que efetivamente a região está precisando. É bem verdade que durante este período o empresariado também participou pouco e quase não cobrou uma melhor postura da Agência. Isso eu reconheço. Penso que se a entidade fosse conduzida por empresários, com uma visão essencialmente de negócios, a história seria outra.

Diário – A decadência da Agência pode ser devida também à falta de solidariedade entre as cidades da região?
Cestari – Esse comportamento era mais forte até a realização do Fórum da Cidadania, em 1994. Foi o Fórum que deu origem à Agência. Ele não acabou com a disputa entre as cidades, mas acabou com a omissão da sociedade civil e as diferenças político-partidárias diminuíram entre os municípios. Começamos a construir uma visão mais solidária, inegavelmente regional. O problema é que nós nos contentamos com este saldo político e deixamos de nos empenhar. Paramos no alicerce e o que vemos hoje novamente é o afastamento da sociedade civil, que parou de participar das discussões sobre desenvolvimento da região, acentuando as distância entre as cidades.

Diário – E qual é o saldo que fica de tudo isso ?
Cestari – É que talvez tenhamos ensinado os outros. Eles aprenderam conosco no Fórum da Cidadania e estão tirando proveito disso. O que se observa agora é que boa parte das cidades do interior paulista e até de outras regiões do país viu o movimento de organização do Grande ABC, copiou o que havia de positivo e conseguiu gerar transformações. Temos como exemplo Guarulhos, Sorocaba, Marília e Campinas.

Diário – O Grande ABC perdeu sua grande chance de se transformar em um cluster (termo utilizado para definir a reunião de empresas que completam uma cadeia produtiva, ou várias, em um mesmo local)?
Cestari – Eu não sei se a região perdeu a chance. Eu diria que o Grande ABC não saiu na frente quando tinha tudo para fazê-lo. Nós deveríamos ter nos esforçado para construir uma cadeia produtiva completa do plástico, por exemplo, que se integrasse, de certa forma, na cadeia automobilística. Isso poderia reforçar outras competências nossas que também estavam em evolução. Poderíamos também ter aproveitado melhor as ferramentarias.

Diário – E por que isso não ocorreu ?
Cestari – A implementação da idéia foi muito lenta e permitimos a descentralização do setor automotivo e, com isso, boa parte das indústrias da região. Se tivéssemos sido ágeis estas mesmas empresas teriam se tornado muito mais competitivas, formando um cluster do que talvez sejam hoje de maneira isolada.

Diário – A região fraquejou ao perder essas empresas?
Cestari – As empresas saíram daqui por necessidade e por pressão. A guerra fiscal foi um forte atrativo. A Fiat, por exemplo, ao não vir para o Grande ABC e ir para Minas Gerais, levou consigo uma porção de indústrias do Grande ABC. A montadora tinha de regionalizar a maior parte de suas necessidades. E o pessoal teve de ir para lá. Nós tivemos a percepção do problema no momento correto, mas fomos lentos e perdemos o controle. Não conseguimos nos articular para fazer uma proposta interessante à Fiat.

Diário – Como o sr. vê a saída da Multibrás do Grande ABC ?
Cestari – A Multibrás não começou a sair hoje. Eu diria que ela está só tirando o rabinho, porque a cabeça e o corpo já estão em Santa Catarina há muito tempo.

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