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Mônica Nador mostra arte útil e bela em 'Paredes Pinturas'
Do Diário do Grande ABC
20/03/2000 | 17:28
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A arte deve ser bela e útil. Com essa bandeira pouco usual no árido universo da arte contemporânea e o desejo de contaminar o máximo de pessoas com sua arte, Mônica Nador está desenvolvendo o projeto Paredes Pinturas, uma iniciativa que expande os limites da intervençao artística para além dos museus e galerias e rompe com a noçao de autoria. O projeto, que vem sendo amadurecido há alguns anos, já rendeu vários frutos e promete produzir resultados ainda por um longo tempo.

Tudo começou com a leitura de textos críticos sobre a sacralizaçao de museus e galerias como espaço privilegiado da arte e com o convite para realizar em 1996 uma pintura mural numa parede do corredor interno do Museu de Arte Moderna (MAM). Mas o germe desse projeto já estava presente. Representante genuína da Geraçao Oitenta, Mônica jamais se deixou seduzir pelos aplausos da mídia e do mercado. "Na verdade, eu sempre senti um desconforto muito grande na minha profissao", confessa a artista.

O primeiro passo dado por Mônica para romper com o status quo foi a busca da beleza e a introduçao da encantadora padronagem islâmica em sua produçao. "Decidi que queria fazer um trabalho visualmente acessível para qualquer um, que nao exigisse um currículo filosófico e estético para que o trabalho fosse entendido", explica. Nao é à toa que o título inicial da tese de mestrado em poéticas visuais que defendeu na semana passada era O Espiritual na Arte, de Novo.

Mas a busca do espiritual, do "alumbramento" - termo que toma emprestado do abstracionista Robert Ryman - nao sao suficientes. Além de querer fazer um trabalho simples e direto, a artista resolve voltar-se contra o cubo branco, o espaço supostamente neutro das instituiçoes de arte, na definiçao do teórico americano Brian O'Doherty. Uma das coisas que mais a incomodam é a arte supostamente engajada, que leva para dentro do cubo branco uma visao estetizada da miséria. "Assim é fácil você criticar o mundo, é muito falso", diz.

"Comecei a achar que meu trabalho estava sobrando; entao me dei conta de que nao era para essa gente que quero trabalhar." Para ela, ficar dentro do sistema convencional era insatisfatório. "Achei que o sistema de arte estava me tolhendo estava amortecida; e a arte fez isso com a arte", lamenta. Mônica decidiu entao pôr o pé na estrada e saiu pintando paredes em vários cantos do país, do interior baiano ao Amazonas.

O trabalho foi amadurecendo, ganhando outros contornos. Em 98, ela aderiu ao Programa Universidade Solidária e levou seu projeto às cidades baianas de Coraçao de Maria e Nilo Peçanha. Nesta última, o trabalho ganhou um novo rumo, já que pela primeira vez Mônica pediu às pessoas que utilizavam o espaço - a sede para ensaios de um grupo folclórico - que desenhassem e elegessem os signos a ser pintados. A partir daí, a artista começou a perder o direito de autoria sobre a obra - derrubando mais um dos paradigmas da arte elitizada.

Foi num assentamento do MST que os últimos resquícios da padronagem islâmica desapareceram e surgiram no lugar estrelas e coqueiros escolhidos e executados pelos seus companheiros de trabalho. "Na minha cabeça ia ter faixa amarela até em cima, mas eles nao deixaram", conta a artista, comemorando esse esfacelamento da noçao de autor.

O passo seguinte na peregrinaçao de Mônica foi a Vila Rhodia, em Sao José dos Campos. Nesse bairro pobre ela, finalmente, fincou raízes. Vários moradores foram convidados a pintar suas casas - o objetivo inicial era criar um cinturao colorido - e as pessoas acabaram gostando tanto da experiência que pintam também o interior de suas residências, decorando banheiros, cozinhas, salas e quartos. É o caso do sr. Maciel, que disse que antes nao tinha nada para fazer e ficava brigando com a mulher.

Depois, "ele nao só pintou sua casa de branco para que a mulher pudesse aplicar os desenhos das máscaras, como passou a ser o principal agente do trabalho, pintando todo o interior da casa, onde nem mesmo o armário de cozinha escapou", escreve a artista, acrescentando que viu isso acontecer várias vezes, a partir da "valorizaçao do indivíduo e do seu universo simbólico inerentes ao trabalho". Essa experiência encantou tanto Mônica Nador que ela está de mudança para Sao José, onde pretende fundar uma associaçao que divulgue esse trabalho - produzindo peças de design com os motivos criados pela comunidade - e ajudar os moradores a se informarem.

Projetos - Isso nao quer dizer que ela vai restringir seu trabalho a Sao José. Sua lista de projetos é de tirar o fôlego. Ela está de partida para Tijuana, onde passa dois meses pintando um painel num bairro periférico da cidade para o projeto Insight; em novembro ela participa da Bienal de Havana; e tem uma exposiçao de gravuras programada para agosto no Museu de Arte Contemporânea (MAC). A artista também acaba de receber a Bolsa Vitae e pretende retornar a cada um dos locais em que visitou com o Paredes Pinturas para fazer um acompanhamento melhor do impacto do projeto.

Ela ainda tem convites para organizar trabalhos de pinturas murais em Sao Vicente, em duas favelas de Sao Paulo e foi sondada por uma curadora do Banco Mundial (que viu seu trabalho na feira de arte contemporânea de Madri, a Arco) sobre a possibilidade de levar seu trabalho para o Paquistao, India e Hungria. Aí está uma oportunidade única para Mônica descobrir de perto a arte oriental que tem tanta importância para seu trabalho.

"Quanto mais gente eu contaminar, melhor; quero que a arte mude", diz a artista comemorando a ampliaçao de horizontes. "Eu fico supercontente de falar: que minha arte é útil", conclui. Ela também nao virou as costas para os museus e para as experiências de ponta que vem sendo desenvolvidas por seus colegas. Nesta terça-feira à noite será inaugurada uma exposiçao coletiva com a sua participaçao. "A partir do momento em que exponho este trabalho, eu o reconceituo de novo: sei para que serve, sei que funçao tem e acho superimportante."

Isso nao quer dizer que ela veja com otimismo o futuro da arte. "Nao sei se a gente tem muito futuro, mas eu acho que a gente tem de fazer o possível para morrer de consciência limpa", afirma Mônica. E confessa: "Eu até tentei ser uma pintora normal, mas eu nao entrego; nao sou submissa, grito." "Entao vou ser feliz do jeito que sei".




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