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'O Declínio do Império Americano' reestréia em São Paulo
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
08/01/2004 | 20:12
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O professor Pierre (Pierre Carzi) alerta seus alunos, na seqüência inicial de O Declínio do Império Americano, que a História “não é uma ciência moral, mas uma ciência estatística”, na qual números diriam mais que qualquer juízo. Funciona quase como uma carta de intenções do canadense Denys Arcand, diretor desse filme de 1986 que reestréia nesta sexta-feira em São Paulo. O retorno em cópia nova pega carona no sucesso de As Invasões Bárbaras, uma continuação de O Declínio realizada 15 anos depois, ainda em cartaz na capital.

O declínio mencionado no título nada tem de épico. Arcand, na verdade, defende uma teoria de causalidade para a decadência estatal, segundo a qual o Estado se enfraqueceria diante da ascensão feminista. Propõe um passo-a-passo dessa ameaça: mulher independente significa baixas taxas de natalidade, o que reduziria a força de trabalho e causaria a degeneração da elite, assim incapacitada de oferecer emprego ao proletariado. Toda essa reação em cadeia é a opinião da escritora vivida por Dominique Michel.

Arcand estaciona entre a tese e a arte e desenvolve sua teoria num ambiente dramatúrgico cindido em duas partes. No início de O Declínio, quatro amigos homens estão numa casa de campo preparando um jantar para quatro mulheres; estas, por sua vez, gastam horas e calorias em uma academia até o horário estipulado para o encontro.

O grupo masculino conta com o professor Pierre; com Rémy (Rémy Girard), um ninfomaníaco casado que participa de orgias regulares; com um rapaz inexperiente (Daniel Brière); e um homossexual (Yves Jacques) assombrado pela então incipiente ameaça da Aids. Já a ala feminina tem a escritora Dominique; a retraída Louise (Dorothée Berryman), mulher de Rémy; uma mãe divorciada (Louise Portal) que suporta os sopapos do namorado; e Danielle (Geneviève Rioux), ex-prostituta agora envolvida com Pierre.

Apartados, esses dois núcleos só falam em sexo. Quando unidos, numa longa seqüência que lembra uma valsa, está decretada a hora da verdade. Confrontam-se homens e mulheres, casados e solteiros, sempre com Dominique a mediar o debate sobre suas teses e os efeitos do sexo sobre a sociedade.

Há uma hilária participação de Gabriel Arcand, irmão do diretor – decepcionado com a ginástica intelectual do encontro, dispara: “Achei que isto seria uma orgia”. Pena que o personagem saia de cena antes de Dominique armar um barraco e, por vingança pessoal (“a inconsciência me enerva”), lançar alfinetadas em Louise, mulher do mesmo Rémy com quem ela divide lençóis vez ou outra. A emoção sobrepõe a razão. Não seria isso uma contradição à emancipação feminina pretendida? É a conclusão de Arcand, que leva metaforicamente para a cama Rousseau e uma postura anti-Leviatã, em que o Estado não mais é aparelho de controle da natureza humana como defendia Hobbes. O Declínio do Império Americano, por sua ousadia ilusória, é um mau filme necessário.




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