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Augusto Boal lança biografia
Leonardo Blaz
Da Redaçao
17/04/2000 | 18:49
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  No início da década de 60, Santo André foi palco de uma peça que, sem exagero, criou uma nova vertente no teatro mundial. O teatrólogo Augusto Boal organizava um seminário de dramaturgia no Sindicato dos Metalúrgicos da cidade. Ao fim da oficina, foi encenada a peça A Greve, escrita por Jurandir, um dos participantes dos encontros. O autor criou personagens e situaçoes baseadas em experiências pessoais. No meio da apresentaçao, um espectador interrompe os atores aos berros, pois acreditava que ele tinha servido de modelo para a criaçao do fura-greves do texto. Revoltado, sobe ao palco e começa a dar sua versao para os fatos, iniciando uma tumultuada apresentaçao. Boal ficou fascinado com a cena e com a confusao. "Quem era o ator? Isso é ficçao ou realidade?", pensou. A partir desse fato, o teatrólogo começou a elaborar o Teatro do Oprimido, método que se tornou conhecido e aplicado em mais de 70 países.

Nesta terça, quase 40 anos depois, Boal volta a Santo André, às 18h, para autografar sua autobiografia 'Hamlet e o Filho do Padeiro - Memórias Imaginadas' (Record, R$ 35 em média), lançada no mês passado, e fazer uma palestra sobre o Teatro do Oprimido. "É super gostoso voltar para a cidade porque foi nela que ocorreram coisas essenciais na minha vida", conta. Santo André ainda é o único município que possui o Teatro Executivo. Desde 1997, as assembléias do orçamento participativo começam com a apresentaçao de peças por grupos do Teatro do Oprimido e o público é estimulado a dar sugestoes e propostas sobre os problemas mostrados. "Espero que seja apenas a primeira cidade, nao a única", diz.

Boal também revela que gostaria que Jurandir e outras pessoas que participaram da peça fundamental à criaçao do Teatro do Oprimido estivessem presentes. "Teria um prazer enorme em reencontrá-las".

O motivo que levou Augusto Boal a escrever sua autobiografia foi prosaico. "Minha editora inglesa me fez o pedido". Até entao, ele nem pensava em escrever algo do gênero. "Para mim, autobiografia era coisa para quem tem 90 anos. Eu ainda estou longe disso", conta o escritor de 69 anos. No entanto, ele começou a trocar lembranças com suas irmas e, depois de três anos, a versao sobre fatos importantes de sua vida se concretizou em palavras impressas.

O livro nao segue uma cronologia tradicional. "A ordem existente é: nasci, cresci e estou em boa forma", relata. "Mas, na verdade, sao três livros em um". O primeiro é um romance português. Boal narra o encontro de seus pais e a vinda deles para o Brasil - uma história que tranqüilamente sustentaria o argumento de uma novela em horário nobre. O segundo é a história do teatro brasileiro entre as décadas de 50 e 70, com enfoque no Teatro de Arena. "Esta é uma fase que foi pouco documentada por autores brasileiros", acredita. E, por fim, a criaçao e expansao do Teatro do Oprimido.

Boal acredita que o método faça sucesso em países com níveis de opressao tao díspares - da Suécia à India - por sua simplicidade. "O Teatro do Oprimido nao é um receituário, nao é um programa de instruçoes", esclarece. "Ele se baseia em desenvolver o que o homem tem dentro de si. Cada um faz aquilo que sente". O espectador ativo, na visao de Boal, vira um ator. "E a melhor maneira de entender o ser humano é ver um ator criando". Com a criaçao do método, Boal já recebeu condecoraçoes importantes, como o Prêmio Pablo Picasso, da Unesco, concedido para excepcionais contribuidores à arte, e a da norte-americana Association for Theatre in Higher Education, dado pela primeira vez a um estrangeiro.

Atualmente, o Rio de Janeiro tem uma sede do CTO (Centro do Teatro do Oprimido), com sete grupos permanentes. "Eles vao para onde as pessoas chamam: comunidades, sindicatos, escolas, organizaçoes", conta. Primeiramente, o grupo faz uma demonstraçao que, dependendo do interesse e da disponibilidade, evolui para uma oficina e para a apresentaçao de uma peça.

Vereador no Rio de Janeiro entre 1993 e 1996, o teatrólogo conseguiu conquistas importantes, como o primeiro programa de proteçao a testemunhas de crimes, que poderá virar lei nacional. No entanto, ser membro ativo da política partidária nao o interessa mais. "Nao tinha tempo de escrever", conta. "Sou um homem de teatro".

Após o fim do mandato, Boal dirigiu a sambópera Carmen, de Bizet (1838-1875) no ano passado, e está preparando uma montagem de La Traviata, de Verdi (1813-1901). Como autor, já escreveu duas peças. Uma delas - O Amigo Oculto - será dirigida por Marília Pêra, com estréia no Rio no mês que vem e prevista para chegar a Sao Paulo em outubro.

O livro Teatro do Oprimido foi lançado em 1974 e já foi traduzido para mais de 20 idiomas. O autor o define como uma série de jogos e técnicas que ajudam o "ator" a se mostrar do jeito que realmente é. "É o teatro essencial", esclarece.

Muitos consideram o método criado pelo teatrólogo como terapia. Ele nao discorda: "Mas antes de tudo, é teatro". O livro Arco-Iris do Desejo, lançado em 1992 na França, que apresenta técnicas introspectivas, é também empregado no tratamento de doentes mentais.

O Teatro do Oprimido pode ser considerado como um conjunto teórico. Entre as técnicas que o compoem, há o Teatro Invisível, no qual o espectador participa de uma encenaçao sem saber, e o Teatro-fórum, que chama e estimula o espectador a entrar em cena.

Augusto Boal - Noite de autógrafos e palestra. Terça, às 18h. Na Casa da Palavra - pça. do Carmo, 171, Santo André. Tel.: 4992-7218. Entrada franca.




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