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Paranapiacaba: uma vila de muitos credos
Reynaldo Gollo
Do Diário do Grande ABC
10/02/2001 | 17:08
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Cerca de 2,5 mil pessoas habitam a Vila de Paranapiacaba e cercanias. Falta emprego, falta espaço para crescer (apesar de a área administrativa representar cerca de metade da cidade de Santo André, a região é protegida pela Lei de Proteção aos Mananciais), falta infra-estrutura e falta consenso entre os órgãos que podem decidir o futuro da Vila. Só não falta fé. Há uma igreja e uma capela católicas, seis igrejas evangélicas, locais de visitação de xintoístas, centro de umbanda, clareiras sagradas para esotéricos e trilhas e mais trilhas onde se pode encontrar simpatias, benzeduras e trabalhos de macumba, além de outras manifestações inclassificáveis nessa ou naquela crença. Se a Vila é pequena, o espiritual é gigante.

O guia turístico da Vila Evandro Pereira Chagas, 22 anos, convive com as diversas fés e crenças místicas que povoam Paranapiacaba. Seu trabalho é diretamente afetado por elas. “Estamos deixando de levar visitantes (trilheiros, ecoturistas) para alguns lugares, como a cachoeira da Água Fria. Nós chegávamos lá e encontrávamos pessoas fantasiadas, dançando como loucas. Esotéricos de todos os tipos.”

Realmente, em algumas trilhas não é raro dar de cara com coisas que lembram o filme A Bruxa de Blair. Fitas amarradas em árvores, objetos forjados em metal com formas de tridentes, adornados com cadeados e chaves (“Valha-me Deus, Nossa Senhora; pé-de-pato mangalô três vezes...”), fora os tradicionais pratos com comida para oferendas de despachos.

Há uma infinidade de pontos místicos em Paranapiacaba sem religiões ou credos específicos. Um platô no alto de uma das montanhas que cercam a vila ferroviária serve de ponto para acampamentos de mochileiros alternativos. A área, conhecida como Comunidade, no fim da mesma trilha (uma hora e meia morro acima) para a cachoeira da Água Fria, está cheia de pilhas de pedras e ruínas da casa de um ermitão que morou no local – morreu há uns 15 anos – e criou uma comunidade alternativa ali, há cerca de 25 anos.

Convivência harmoniosa – Os moradores de Paranapiacaba se dividem em muitos credos, mas têm uma certeza em comum: que a convivência entre as religiões é regida pela santa paz de Deus.

“Aqui, ninguém olha a religião um do outro”, diz a evangélica Maria do Carmo de Castro, 43 anos, dirigente do Círculo de Orações da Assembléia de Deus da Missão dos Santos. “Quando é preciso, todos ajudam a todos. É muito comum, quando uma pessoa fica desempregada, as pessoas se unirem, independente de credo, para ajudar com cestas básicas e até dinheiro. É muito gostosa essa convivência aqui na Vila.”

E Maria do Carmo sabe bem do que está falando. A convivência entre religiões começa dentro de sua casa: seu marido, Evanduir de Castro, é católico – “Apesar de não freqüentar muito a igreja”. A Assembléia de Deus tem três ministérios na vila ferroviária.

O policial militar Bento Ferrone Júnior confirma a falta de incidentes religiosos entre os moradores da Vila. E não é por ser um policial. Afirma isso como seguidor da Congregação Cristã, com sede na rua José Antunes, mesma via onde mora, na parte alta da Vila. “Todos aqui se conhecem. Não há problemas por causa de religião.” Inclusive, fiéis de outras igrejas evangélicas costumam freqüentar a sede da Congregação. “Irmãos de fé.”

Maomé e a montanha – Cerca de 100 pessoas vão às missas católicas nas manhãs de domingo, segundo o padre Joaquim de Souza, 40 anos, há cinco meses rezando os cultos dos fins de semana. “Não é muito, mas a Vila é muito pequena”, diz.

Mas o contato com o rebanho é constante. Se Maomé não vai à montanha, a montanha vem a Maomé, como conta o dito popular. A igreja católica tem feito vários trabalhos pastorais junto à população. “Visitamos os fiéis com freqüência, vamos às casas das pessoas que estão doentes, que querem uma benção para seus lares, e procuramos saber suas necessidades.” Está nessas necessidades a base do trabalho comunitário da igreja. A pobreza é a maior preocupação. Os empregos que foram rareando com os anos com a decadência e o fim dos trabalhos da Rede Ferroviária Federal – em 1996.

“Nos reunimos recentemente com a Subprefeitura (de Paranapiacaba, que passou a funcionar a partir de 1º de janeiro deste ano) para discutir as questões sociais e os problemas da Vila”, disse padre Joaquim. Além de muita reza, as pessoas contam com os esforços da nova administração da Vila e seus programas voltados para a economia popular, como incrementar o turismo e incentivar culturas de subsistência, além de pequenos negócios.

Os católicos de Paranapiacaba são maioria (não há números exatos – estima-se que 70% da população local sejam dessa religião), mas também são, proporcionalmente, os que menos freqüentam a igreja. “Sou católico, mas só vou à missa de vez em quando”, confessa Francisco Hurtado Cano, 78 anos. Dono de um bar há 34 anos instalado na parte baixa da Vila, Francisco dedica mais tempo a sua outra fé: a música. É trombonista na Banda Lyra de Santo André – tocou na antiga Banda dos Ingleses, da própria Vila. Mantém no seu bar retratos das bandas (sobre um balcão, quase que como em um altar) e um painel de azulejos portugueses com a imagem de Santa Rita de Cássia (na parede, sobre a cabeça de quem entra).

Natureza e elevação – Paranapiacaba ainda reserva um surpresa para o visitante mais atento ao que se passa ao seu redor. Todos os sábados, por volta das 9h, um grupo de coreanos e descendentes chega à Vila para o mesmo ritual. Sobem o morro ao fundo da parte velha e dirigem-se para uma trilha perto do Parque das Águas. Orações xintoístas e purificação. Mais uma fé que se encontra na velha Vila.

Cada qual com sua fé, mas em contato com a natureza. Elevação espiritual em meio a muito verde, canto dos pássaros, água pura corrente e tranqüilidade inimaginável para quem mora em cidades grandes. Quer melhor imagem para representar o Paraíso, seja lá qual for o seu credo?




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