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Mauá esburacada obriga operário voltar para casa pelo mato
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
29/01/2010 | 07:59
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Após trabalhar o dia todo, parte dos operários do Polo Industrial Sertãozinho, em Mauá, encaram uma trilha de 35 minutos a pé por mata fechada para voltar para casa. Tudo isso para não passar três horas em um ônibus até chegar ao Terminal Rodoviário da cidade, no Centro.

Os que decidem ir pelo caminho improvisado andam cerca de quatro quilômetros — alguns dias sob sol, outros debaixo de chuva, enfrentando poeira ou barro, além de picadas de mosquitos, do perigo de ataques de animais e possíveis acidentes devido aos buracos e terrenos escorregadios.

O sacrifício é feito por causa dos congestionamentos na saída do bairro Sertãozinho, que se tornaram constantes devido a abertura de grandes crateras na via, desde o fim do ano passado. O trajeto do ônibus que durava em média 45 minutos até o terminal rodoviário passou a consumir até três horas. Entre as vias esburacadas está a Avenida Papa João XXIII, uma das principais da região. O congestionamento também cresceu devido às obras do Rodoanel, que são realizadas no bairro.

A Prefeitura de Mauá foi procurada pelo Diário, mas não se pronunciou.

Os funcionários do Polo, depois da trilha, chegam ao Jardim Primavera. No local, embarcam em um coletivo que gasta 15 minutos para chegar ao Centro. Dali, encaram a última viagem do dia, de cerca de meia hora até os lares.

"Com esse caminho, a gente chega a economizar até duas horas. Mas não tem como passar por isso todos os dias. A Prefeitura precisa fazer alguma coisa para melhorar a nossa situação", diz o montador João Pedro Martins, 44 anos, que mora no Jardim Zaíra 4.

Segundo os trabalhadores, a picada na mata começou a ser usada em novembro. Muitos já se machucaram no trajeto. Mesmo assim, preferem o difícil caminho a gastar horas parados dentro do ônibus lotado.

"Bem no meu primeiro dia choveu, mas não vou desistir de vir por aqui. É muito melhor. Estava gastando de duas a três horas, por dia. Ninguém merece", diz a inspetora de qualidade de peças Vanessa Jeniffer Silva, 21.

"É um assunto que discutimos com a gestão (administração municipal). Não temos nenhum caminho alternativo", conta Adair Manuel dos Santos, gerente de planejamento da Viação Cidade de Mauá, que tem três linhas na região.

Canteiro de obras e cemitério no caminho

Eles bateram o cartão de ponto às 7h para iniciar o turno de trabalho e deixaram a empresa às 17h. Para não chegar somente por volta de 22h em suas casas (no Zaíra 4 e nas vilas Magine e Olinda, na periferia de Mauá), o auxiliar Mauricio Dias, 24 anos, o líder de produção Gilberto Cipriano, 32, e o montador Adriano Pereira, 37, passam pela mata fechada diariamente. O Diário acompanhou a peregrinação dos três amigos e funcionários de empresas do Polo Industrial Sertãozinho, na quarta-feira, pela trilha, sob forte chuva.

Além de ter excelente preparo físico, dois deles levavam guarda-chuvas. Esse não foi o caso de Adriano, que usou em todo o trajeto uma caixa de papelão sobre a cabeça. "É pouco caso com a gente. Não tem como ficar dentro de um ônibus cheio por várias horas", diz Gilberto.

Eles andam parte do caminho em silêncio, trocam poucas palavras. A maior preocupação é em não perder o ônibus do outro lado do morro.

No caminho é preciso ficar atento, por causa das poças de água, buracos imensos, barrancos. Em certo momento é preciso atravessar as pistas em construção do Rodoanel, além de passar ao lado do Cemitério Vale dos Pinheirais para sair na rua de acesso ao Jardim Primavera.

Na caminhada, a reportagem encontrou o soldador José de Souza, 56, vindo apenas com uma capa de chuva. "Tenho carro em casa, mas não tem condições de colocar nestas ruas. É muito buraco."

Os três amigos chegam ao ponto na Rua das Violetas depois de caminhar por 35 minutos e encontram mais 15 pessoas que fizeram o mesmo percurso. "Mais um dia. Só por Deus mesmo", roga Adriano.

Mulheres desconfiam das histórias de atrasos dos maridos

Não é apenas o cansaço da volta para casa que dá dor de cabeça para os trabalhadores do Polo Industrial Sertãozinho, em Mauá. Alguns homens estão sendo cobrados pelo atraso pelas próprias mulheres.

É o caso do coletor Florisvaldo Barreto Lucena, 33 anos. Morador do Zaíra 4, ele deixa a empresa às 16h e já chegou em casa perto das 20h, devido o trânsito caótico na saída do bairro Sertãozinho. "Quando chego em casa, minha mulher fica desconfiada do meu atraso. Ainda bem que não tem sofá em casa, senão dormiria lá com certeza", conta Lucena.

Para o coletor fica até complicado explicar que todos os dias há congestionamentos no mesmo lugar. "Por aqui, é sempre do mesmo jeito, desde novembro está um sacrifício para ir embora", explica Lucena.

O motorista Adilson Domingos, 45, mora no Zaíra 2, e gasta três horas para chegar na sua residência. Ele tem moto e não usa o veículo para ir trabalhar, por causa das crateras e as péssimas condições das vias. "Já quebrei três vezes a roda da moto nos buracos. É mais fácil ir para a Avenida Paulista, em São Paulo, do que trabalhar aqui no Sertãozinho. Ninguém faz nada para melhorar", ressalta Domingos.

Motoristas de coletivos também reclamam das condições das pistas e da falta de sinalização. "A gente não sabe muito o que fazer, tem dia que mudam as placas das ruas. O pior de tudo é que têm alguns passageiros que pensam que a gente é que é o culpado", comenta um motorista, sem se identificar.

Crescem casos de empregados afastados devido a lesões

Os integrantes da Aepis (Associação dos Empresários do Polo Industrial Sertãozinho) também reclamam da ida dos trabalhadores a pé para casa. Os empresários já notaram aumento no número de pessoas afastadas, devido a acidentes no trajeto.

"Está sendo muito comum funcionários afastados, por causa de torções de pés e até fraturas. Quando alguém fica 15 dias em casa, gera um prejuízo nas empresas", conta Tatiane Souza Lima, administradora da Aepis.

Segundo ela, é comum os trabalhadores se atrasarem para a chegada ao trabalho. "Ou a gente acorda duas horas mais cedo ou chega de uma hora a uma hora e meia atrasada", conta.

"Outro fator que agrava o problema é quando um funcionário fica afastado do serviço sem data para retorno. É preciso contratar outra pessoa, ensinar o serviço, tudo isso gera custos", diz a administradora.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá informou ao Diário que vai mandar um diretor da regional de Mauá para checar o que está ocorrendo.

"Até agora não chegou nenhuma reclamação dos trabalhadores. Mas, a gente vai analisar a situação. Isso não pode acontecer, precisamos ver como os padrões estão lidando com este problema", comenta o diretor dos Metalúrgicos, Adilson Torres dos Santos.

Segundo o sindicalista, a entidade vai se reunir para discutir possíveis medidas para cobrar ações de melhorias junto à Prefeitura de Mauá.




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