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Hino oficial de Santo André apresenta falhas técnicas
Vanessa Fajardo
Do Diário do Grande ABC
23/11/2009 | 07:00
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OUÇA EXPLICAÇÃO SOBRE OS ERROS NO HINO

Maestros apontam erros técnicos na partitura do hino oficial de Santo André, aprovado por lei em 1950. Segundo os especialistas, se a música fosse cantada seguindo à risca como está escrita, seria preciso cortar as últimas sílabas de alguns versos. As críticas, no entanto, não são consenso entre os profissionais da música.

A falha foi identificada há pelo menos um ano, quando o maestro de Santo André, João de Campos, 69 anos, fez um estudo, e desde então, tenta chamar a atenção das autoridades. Formado em Música pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), Campos se incomoda em ver erros no hino que é um dos patrimônios da cidade. "Há ligaduras (símbolos que ligam as notas) que comprometem a partitura e é preciso haver revisão. Se algum professor que não conhece a música for tocá-lo, terá dificuldades. É uma aberração."

Campos conta que há três meses foi recebido pelo secretário de Cultura, Esporte e Lazer de Santo André, Edson Salvo Melo, que encaminhou a reclamação ao Conselho Municipal da Cultura e pediu a apreciação técnica de vários músicos da cidade.

Integrante do conselho, a jornalista Rosana Banharoli diz que os erros apontados pelo maestro foram discutidos em uma reunião, onde decidiu-se que o estudo seria levado a um profissional com doutorado em Música na USP (Universidade de São Paulo). "Vamos esperar o laudo desse maestro para depois nos manifestar. Eu não conheço música e a maioria dos conselheiros também não, então temos de esperar esse parecer."

O maestro de Santo André, Rodrigo Garcia Petreca, concorda com a necessidade de mudar a métrica do hino. "É um erro que se repete no final das últimas palavras. Elas têm três notas e na partitura estão escritas apenas duas. Todo mundo canta certo porque já conhece, e o erro passa despercebido. Se está errado é bom mudar."

Doutor em Música pela Universidade Iowa, nos Estados Unidos, e professor da Unicamp (Universidade de Campinas), Rafael dos Santos, também confirma o problema. "Ao cantar, a pessoa coloca a sílaba no lugar mais lógico, o tempo forte do compasso seguinte, onde termina a ligadura. Mas não se sabe o que o compositor quis. Se eu fosse reger um coro, por exemplo, teria de ouvir a versão oficial antes."

Musicista de Santo André, Célia Mattoso, não sabe explicar a intenção do compositor quando utilizou as ligaduras. "Ela liga duas notas, a pessoa canta a primeira e emenda a segunda, em alguns versos não dá tempo de falar as últimas sílabas. Mas todo músico quando vai tocá-lo tem a manha de adaptar na hora. Não sei se há necessidade de alterar algo que já está no inconsciente coletivo."

Obra da família - O corpo técnico da Secretária da Cultura não confirma as falhas na partitura. Em nota, a Prefeitura de Santo André informou que o direito do autor sobre sua obra é inalienável (intransferível). A letra é do professor José Amaral Wagner e a música de Luiz Carlos da Fonseca e Castro. "Mesmo o hino tendo sido adotado por força de lei, não compete ao município alterá-lo, mas somente aos autores, que já faleceram e o espólio da obra pertence às famílias", diz a Prefeitura.

Aprovado por lei, hino pertence ao patrimônio cultural de Santo André
Assim que oficializado pela Lei Municipal nº 541, de 16 de fevereiro de 1950, o hino de Santo André tornou-se patrimônio cultural da cidade. Para qualquer alteração na partitura ou letra é necessário propor outro projeto de lei.

Cientista político da UNB (Universidade de Brasília), Leonardo Barreto diz que nesses casos os autores cedem os direitos autorais ao município. "O governo pode até pagar pensão ou um benefício, como foi feito com a família Duque Estrada (letra do Hino Nacional), mas é como se fosse um pagamento em reconhecimento pelo que foi feito."

Barreto explica que a Prefeitura é a responsável pelo patrimônio cultural da cidade, e a partir do momento que o hino tornou-se lei, é público, da população de Santo André. "É como tombar uma festa, um costume, trata-se de um patrimônio não palpável, mas a administração deve ser a guardiã." Ele lembra que no caso do hino, as famílias dos autores não têm autonomia para mudar acordes ou notas.

História - O hino de Santo André foi escolhido através de um concurso promovido pela Prefeitura. José Amaral, autor da letra, convidou Luiz Carlos da Fonseca e Castro para fazer a música, pois na época ele tinha uma banda que animava bailes. Ambos são falecidos, mas ainda há integrantes de suas famílias que moram em Santo André.

Virginia Maria da Fonseca e Castro de Toledo Sandreschi, 60 anos, sobrinha de Luiz Carlos, desconhece a polêmica que envolve a métrica do hino da cidade. Ela conta que o tio não tinha formação superior em Música, mas estudava desde criança, incentivado pela mãe, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e fundadora de uma escola de música no Espírito Santo.

"Ele estava bem amparado musicalmente porque tinha uma professora em casa. A partitura já passou pelas mãos de grandes maestros e nunca ninguém comentou qualquer tipo de falha." A esposa de Luiz Carlos está no Espírito Santo.

A filha de José Amaral, Isolda Wagner de Oliveira, residente na Vila Bastos, em Santo André, não foi localizada pela reportagem do Diário para comentar o assunto.

Falha não é consenso entre músicos
Nem todos os profissionais da área da Música ouvidos pelo Diário constataram falhas na partitura do hino.

A musicista de Santo André formada pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), Evelina Mire Shimizu, vê as ligaduras da partitura instrumental como um "mimo", um "carinho" do compositor Luiz Carlos da Fonseca e Castro.

"Qualquer músico que tomar conhecimento da letra, ao executar o hino vai saber que a ligadura não está lá para atrapalhar a metrificação. Muito pelo contrário, ao passar pelos cantores, ele certamente irá tirar a ligadura e escrever a letra como se canta", opina Evelina.

Para a musicista, tudo o que o compositor coloca na partitura é para auxiliar o músico a compreender o melhor sentido da melodia. "Ouvia isso na escola, quando tínhamos aula de música, e hoje, os mestres e maestros com os quais trabalho dizem que nada é para complicar, muito pelo contrário, a música facilita a vida de qualquer pessoa."

Ex-estudante da EE Américo Brasiliense, Eveline lembra que sempre cantou o hino na escola e já viu muitos músicos e maestros o regerem sem qualquer problema.

Samuel Moraes Kerr, professor de Regência da Unesp, também discorda que haja problemas na métrica do hino de Santo André. Para ele, qualquer pessoa com boa formação musical sabe colocar as sílabas em questão. "Basta tirar a ligadura da versão instrumental. É óbvio."




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