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A loucura do desemprego
Delmar Marques
Da Redaçao 
09/01/1999 | 18:19
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O desemprego e a crise econômica - que afeta também quem está trabalhando - se aliam para provocar o alarmante crescimento da procura pelos serviços de saúde mental do Grande ABC. Este ano, triplicou, segundo o secretário municipal da Saúde de Santo André, Homero Nepomuceno Duarte, "o número daqueles que procuram tratamento na regiao por ter um quadro de sofrimento psíquico em decorrência dos problemas da economia brasileira".  

O coordenador do CAPS (Centro de Atençao Psicossocial) de Santo André, psicólogo Décio Castro Alves, afirma que o atendimento no local aumentou de 150 para 540 pessoas mensalmente no ano passado, e que, nem assim, todos os que procuraram tratamento o conseguiram. "Existe uma grande demanda reprimida, que é muito maior do que as estatísticas revelam, camuflada pelos problemas de desemprego e falta de dinheiro que confundem os familiares."  

Um levantamento do Grupo de Saúde Mental da Câmara do ABC revela que no primeiro semestre do ano passado 5.019 pessoas foram aos diversos postos de saúde mental do Grande ABC, sejam hospitais psiquiátricos, emergências dos pronto-socorros e centros municipais de saúde, e nao encontraram vagas. Nesse período, 13.904 casos foram atendidos nos sete municípios.  

Um surto de esquizofrenia ou uma crise de paranóia acabam sendo creditadas à situaçao pessoal do paciente, e aqueles que o cercam muitas vezes nao percebem o seu grau de sofrimento psíquico, coloca Jair Mari, titular do Departamento de Psiquiatria da USP (Universidade Estadual de Sao Paulo) ao lembrar que o problema nao se restringe ao Brasil. "As pessoas fazem confusao por ignorar os sintomas."  

Jair explica que dois fatores acabam contribuindo para agravar a saúde mental dos trabalhadores. "Enquanto os empresários cobram produtividade e esperam que seus funcionários se comportem como super-homens, há uma massa de desempregados que também se estressam, deprimem e sentem vontade de morrer."  Na psiquiatria, o problema ganhou o nome de Patologia do Desemprego Prolongado e vem sendo alvo de estudos há mais de quatro décadas. Já se analisava o fenômeno na Austria, após a crise de 1929, e no Chile da época do ditador Augusto Pinochet, quando se adotou o modelo recessivo do FMI (Fundo Monetário Internacional), o que também provocou uma onda de desemprego enquanto o país reequacionava sua economia.  

Em Santo André, o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, 44 anos, titular da cadeira de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC, endossa o diagnóstico. "Nao existem análises científicas precisas, mas quem trabalha com saúde mental percebe claramente que a crise na economia e o desemprego estao afetando cada vez mais a populaçao no que tange à saúde mental."  O psiquiatra Irineu Godinho, 53 anos, diretor técnico do Centro de Tratamento Bezerra de Menezes, de Sao Bernardo, destaca que tanto o desemprego como a excessiva pressao no trabalho provocam o envolvimento com as drogas. "O sujeito usa cocaína porque acha que assim vai brilhar nas reunioes da empresa e, quando demitido, acaba se envolvendo com o tráfico de drogas, cai na marginalidade e cada vez mais perde condiçoes de retornar para um emprego regular."




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