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Elas falam sem medo
Maíra Sanches
Do Diário do Grande ABC
24/07/2011 | 07:20
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Por dia, cerca de oito mulheres do Grande ABC sofrem algum tipo de violência doméstica. Porém, as políticas de prevenção e assistência às vítimas, aliadas à perda do medo de denunciar, começam a mudar a realidade da mulher submissa e acompanham os números de casos registrados nas Delegacias de Defesa da Mulher. De janeiro a maio, foram computados 1.034 casos de lesões corporais e 102 de estupro.

A Central de Atendimento da Mulher, que oferece o Disque Denúncia por meio do 180, válido em todo o território nacional, registrou aumento de 82% nas ligações de 2009 para 2010. O número saltou de 401.729 para 734.416. A maioria das queixas refere-se à violência física, psicológica, patrimonial e sexual.

A Secretaria de Políticas para as Mulheres, do governo federal, ainda não fechou os dados referentes às denúncias feitas no primeiro semestre deste ano. O balanço será divulgado em agosto.

Em São Bernardo, onde desde o ano passado funciona o Centro de Referência e Apoio à Mulher, no Centro, o aumento nos casos de mulheres que agora dispõem de acompanhamento foi de 26% em comparação com o primeiro semestre de 2010. Hoje, 348 mulheres são monitoradas pelos profissionais, contra 276 de janeiro a julho de 2010. Já os casos novos subiram de 103 para 123.

"Se a mulher não tem apoio ao alcance não irá denunciar a violência. E não adianta apenas delatar, ela precisa de retaguarda para superar o problema", analisou a gerente de Políticas para Mulheres e Questões do Gênero da Prefeitura, Dulce Xavier.

Por lá, as mulheres podem pedir orientação jurídica sobre separação, participar de grupos de terapia, conhecer a Lei Maria da Penha, entender como pedir a medida protetiva e até ser encaminhada às frentes de trabalho da Prefeitura. "Elas buscam por auxílio para ter autonomia financeira."

Pelo menos metade das mulheres que procuram ajuda demonstra interesse em se profissionalizar. Para elas, isso significa ter liberdade para conseguir deixar o ex-companheiro. Caso haja interesse, também podem se inscrever em programas de transferência de renda, como Bolsa Família e Renda Cidadã.

Foi o caso de I.J., 33 anos, moradora do bairro Baraldi. Depois de quase oito anos sofrendo violência moral e humilhações, ela conseguiu dar os primeiros passos sozinha após integrar a Frente de Trabalho da Guarda Civil Municipal. Ela atua no setor de limpeza. "Antes não saía de casa. Tinha vergonha de todos. Ele xingava a mim e aos meus filhos e dizia que só servia para lavar roupa. Me ensinaram a como me defender e ter atitude. Hoje, a última palavra é minha." O casal se separou há dois anos.

No caso de Maria de Lourdes Peres, 47 anos, também de São Bernardo, a violência a que era submetida pelo ex-companheiro, com quem viveu por seis anos e teve três filhos, não precisou durar anos para ser transformada em denúncia. Dias depois de ser agredida fisicamente pela primeira vez Maria registrou queixa na Delegacia da Mulher.

"A Justiça o tirou de casa em três dias. Ele continuou me perturbando por alguns meses, voltou a me agredir e registrei mais dois boletins de ocorrência. Eu até revidava, mas uma hora não aguentei mais." Mensalmente, ela participa das reuniões no Centro de Referência, onde gosta de ouvir histórias semelhantes.

Nos casos em que as mulheres estão sob risco de morte, o centro de apoio encaminha à casa-abrigo, onde a vítima pode permanecer até seis meses. Na região há duas unidades. Os endereços são sigilosos, por motivos de segurança.

Instituto Avon faz campanha e estimula denúncia

Desde 2001, o Instituto Avon apoia campanhas destinadas às mulheres. A mais recente visa criar meios para ajudar a erradicar a violência doméstica - outra é de combate ao câncer de mama.
Fale sem Medo - Não à Violência já arrecadou R$ 5,8 milhões desde 2008. Em duas páginas da cartilha de produtos, utilizada por revendedoras de todo o País, estão à venda alguns cosméticos que têm 7% de seu valor revertido para as duas causas.

Seminários sobre a violência em todas as regiões, parcerias com associações profissionais, panfletagem, pesquisa sobre a percepção do problema no Brasil e a ampliação do alcance do número do Disque Denúncia são alguns dos alvos para aplicação dos recursos.
A novidade deste ano é a venda da pulseira da atitude, por R$ 16. Do valor, R$ 6,60 é destinado à campanha contra violência doméstica. A venda do acessório acontece no mundo todo.

Para o diretor executivo do Instituto Avon, Lírio Cipriani, é importante aproveitar o respaldo da empresa na área comercial. "Levamos informação às mulheres e clientes por meio de mais de um milhão de revendedoras pelo País. Esse é o grande guarda-chuva da causa. O bom projeto não é aquele que demanda muito dinheiro. É o que atende uma necessidade específica."

Uma das preocupações do instituto é facilitar o acesso da mulher à informação. Em novembro, será lançada nova cartilha ilustrada, em formato de telenovela, destinada à consumidora final.

A pesquisa sobre o tema, que ouviu 1.800 pessoas de todo o Brasil, foi concluída em 2010 e mostra que seis em cada dez brasileiros conhece alguma mulher vítima de violência. Desse total, 63% tomaram alguma atitude. MS

Lei Maria da Penha completa cinco anos em agosto

A legislação que pune a violência contra a mulher no Brasil completa cinco anos em 7 de agosto. Sua eficácia é constatada se baseada no último balanço divulgado pelo Conselho Nacional de Segurança, em março. Foram sentenciados, desde 2006 até julho do ano passado, 111 mil processos. Além disso, foram realizadas 9,7 mil prisões em flagrante e decretadas 1.577 prisões preventivas de agressores.

No entanto, a aplicação da lei ainda esbarra em problemas estruturais e de planejamento. Para a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB de São Paulo, Fabíola Marques, é preciso aumentar o efetivo policial para ter condição de atender a demanda. "As Delegacias da Mulher não deveriam funcionar apenas em horário comercial, sendo que a maioria das ocorrências acontece de madrugada. E também não adianta abrir o boletim sem fiscalização. Se não há policiais suficientes para verificar se há reincidência nos casos, a mulher continuará apanhando."

Mesmo com as falhas apontadas pela especialista, Fabíola avalia a lei como uma das melhores do País. "Acho fundamental que ela proíba a aplicação de penas peculiares, como pagamento de multas e cestas básicas. Após a denúncia, hoje o agressor fica afastado até revogação da ordem judicial."

ESTATÍSTICAS
As vítimas de violência doméstica da região podem procurar ajuda, sem obrigação de abertura de boletim de ocorrência, nos centros de apoio localizados nos endereços ao lado. Apenas no primeiro semestre deste ano, 165 mulheres procuraram por orientação na Casa Beth Lobo, de Diadema, há 20 anos na cidade.

Em Santo André, no "Vem Maria", foram registrados 492 atendimentos, entre retornos e agendamentos. Em São Caetano foram oito novos casos e em Ribeirão Pires 22. MS




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