Pacientes com depressão, ansiedade e TDAH reclamam da ausência de acompanhamento médico na região e relatam as consequências
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Cada vez mais presentes na vida dos brasileiros, os transtornos mentais, como ansiedade e depressão, já afastaram 440 mil pessoas do trabalho em 2024, segundo o Ministério da Previdência Social. No ano passado, foram realizados mais de meio milhão de atendimentos de saúde mental no Grande ABC.
Apesar do alto número, grupo de moradores reclamam da falta de acompanhamento médico para tratar os transtornos mentais na região. A dona de casa Jéssica Thais de Moura, 36 anos, sofre com depressão desde 2022, ano em que seu segundo filho nasceu – ela tem duas crianças autistas, de 4 e 14.
Moradora do Parque Erasmo Assunção, em Santo André, ela diz que desde o ano passado tenta passar com uma psicóloga no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) da Praça Chile, localizado no Parque das Nações, mas que nunca há agenda disponível. Segundo a andreense, a falta de tratamento da depressão agrava o quadro de obesidade mórbida.
“Não tenho com quem conversar, tem dias que tenho intensas crises de choro. Minha vida é cuidar dos meus dois filhos autistas, não é fácil educar crianças atípicas, é solitário. De segunda a segunda a minha rotina é sempre a mesma. Meus filhos são minha vida, então tive que abrir mão da minha saúde para me dedicar a eles. Desisti de procurar ajuda”, desabafou Jéssica.
A pequena Lívia Corradi Vieira, 10, diagnosticada com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), precisa de atendimento com fonoaudióloga, psicóloga, psicopedagoga e terapeuta ocupacional, porém não é assistida por nenhum desses profissionais na rede municipal de Santo André desde 2023. Após judicialização do caso, no ano passado, a menina foi chamada para atendimento e na sequência teria sido ‘dispensada do tratamento’, pois seria “funcional demais”, segundo denuncia a mãe, Ágatha Cíntia Silva, 34, auxiliar de enfermagem.
De acordo com o Ministério da Saúde, o TDAH é considerado uma condição do neurodesenvolvimento, caracterizada por uma tríade de sintomas envolvendo desatenção, hiperatividade e impulsividade em um nível exageradamente disfuncional para a idade. Os sintomas começam na infância, podendo persistir ao longo de toda a vida.
A condição de saúde impacta diretamente no aprendizado de Lívia, que encontra mais dificuldades para se concentrar nas aulas e nas atividades. “Mesmo fazendo o uso de medicação, a terapia é essencial para melhorar o foco e a organização. Ela também foi diagnosticada com Processamento Auditivo Central, isso significa que a Lívia não entende um comando da forma como está sendo passado”, explicou Ágatha.
A OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) alerta que, em muitos países, a lacuna de tratamento de transtornos mentais ultrapassa 70%. “Os recursos alocados pelos países para lidar com esse fardo são insuficientes, distribuídos de forma desigual e, às vezes, usados de forma ineficiente. Os transtornos mentais aumentam o risco de outras doenças e contribuem para lesões não intencionais e intencionais”, destacou a instituição.
OUTRAS CONDIÇÕES
Além dos transtornos mentais, Bernardo Augusto Silva Rodrigues, 3, e Aline Aparecida Miranda Barbosa, 34, também enfrentam outros diagnósticos. A jovem tem paralisia cerebral, condição que afeta principalmente os movimentos dos braços e pernas. Ela vive em um barraco em uma invasão no bairro Eldorado, em Diadema, ao lado da mãe, Vera Lúcia Miranda, 65, desempregada.
Sem acompanhamento médico, como sessões de terapia e fisioterapia, Aline não tem nenhum convívio social. Vera acredita que essa condição tenha impactado diretamente na sua saúde mental, pois a filha apresenta comportamentos depressivos e tem crises com ampla frequência. “Ela chora muito, não faz nenhuma atividade, fica cada vez mais isolada. Gostaria que ela pudesse socializar, ter uma vida, pois isso está acabando cada vez mais com a minha filha”, pontuou a mãe.
Bernardo, o pequeno morador de Santo André, é autista nível três de suporte e faz terapia, a cada 15 dias, no Reabilita, Centro Especializado em Reabilitação tipo IV, que atende pacientes com deficiência física, visual, intelectual e auditiva. Apesar do acompanhamento, a mãe, Beatriz Ferreira Rodrigues, 28, luta para que o serviço seja ampliado, pois acredita que os 45 minutos quinzenais estão retardando a evolução do filho.
“A falta de terapia adequada impacta no atraso da fala, no desenvolvimento de atividades na escola, na baixa socialização, entre outros pontos. O Bernardo apresenta sinais de ansiedade, ele come compulsivamente, tem crises de insônia e picos de agressividade. A terapia em maior quantidade e com um quadro de profissionais especializados iria ajudar a diminuir esses sintomas”, relatou Beatriz.
PREFEITURAS
Questionada, a Prefeitura de Santo André indicou que a paciente com TDAH, Lívia Corradi Vieira, procure uma UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima para continuar com o tratamento, pois, o Reabilita é um serviço voltado à pessoa com deficiência e TEA. “Casos sem prejuízo na funcionalidade não são elegíveis ao serviço, devendo ser acompanhados na atenção primária por equipe multidisciplinar”.
Em relação à paciente Jéssica Thais de Moura, diagnosticada com depressão, o Paço reforçou que o CAPS é porta aberta, ou seja, o acolhimento é de livre demanda entre 7h e 19h, “Considerando a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) orientamos que o respectivo caso citado possa procurar a gerente da unidade para o esclarecimento das dúvidas e articulação do seguimento dos cuidados.”
Sobre o pequeno Bernardo Augusto Silva Rodrigues, de apenas 3 anos, com autismo e ansiedade, a administração andreense relacionou a baixa frequência das terapias (um vez a cada 15 dias) à falta de funcionários. “Há escassez de profissionais no mercado, especialmente fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. A Secretaria de Saúde tem envidado esforços para ampliar as equipes e a oferta do serviço”, finalizou.
A Prefeitura de Diadema não respondeu sobre a situação da Aline Aparecida Miranda Barbosa até o fechamento desta edição.
A falta de tratamento adequado para pessoas que sofrem com transtornos mentais (depressão, ansiedade, TDAH, entre outros) pode trazer prejuízos à saúde e à vida dos pacientes, conforme explicou a psiquiatra Camila Magalhães Silveira.
“Além disso, o estigma em torno dos transtornos mentais contribui para a negligência do cuidado, o que gera sofrimento desnecessário e perda de potencial humano. Tratar um transtorno mental não é apenas aliviar sintomas, mas restaurar a funcionalidade e a qualidade de vida da pessoa”, disse Camila, que é cofundadora da Caliandra Saúde Mental.
A médica alerta ainda sobre a necessidade de tratamento precoce. Segundo a especialista, apenas um terço das pessoas com transtornos mentais moderados e graves procuram ajuda.
“Sem tratamento precoce, o transtorno tende a se agravar e a se tornar crônico, afetando não só a saúde mental, mas também a saúde física, os relacionamentos e o desenvolvimento pessoal e profissional. Por exemplo, estudos já mostram que a depressão em mulheres é um importante fator de risco para infarto do miocárdio, mostrando como a saúde mental e física estão profundamente conectadas”, destacou a psiquiatra.
Os transtornos mentais são considerados condições complexas e multifatoriais, descreveu a médica. Por isso, o tratamento deve ser multidimensional, e pode incluir medicamentos, psicoterapia, mudanças no estilo de vida, apoio psicossocial e orientações específicas para cada caso.
“A depressão, ansiedade e outros transtornos são multifacetados e exigem uma compreensão ampla e integrada da saúde mental”, finalizou Camila.
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