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'Por enquanto, o streaming é apenas um complemento da TV', diz diretor do Ibope
17/07/2020 | 07:00
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A transmissão do futebol brasileiro deve passar por uma grande transformação nos próximos anos, é o que garantem os especialistas no assunto. Resta saber o que terá de positivo e de negativo nessas mudanças, principalmente quando o assunto for streaming, a transmissão de jogos ao vivo pela internet. O diretor-executivo do Ibope Repucom, José Colagrossi, acredita se tratar de uma tendência que chegou para ficar no Brasil. Mas destacou ser preciso olhar para ela com cautela.

Em entrevista ao Estadão, o especialista em audiência e marketing esportivo afirmou que acha pouco provável que os jogos pela internet substituam as exibições pela TV. Qualidade do sinal, velocidade de internet e até o fato de o usuário usar o telefone celular como uma plataforma multitarefas estão entre os pontos que ele destacou para inviabilizar essa possibilidade.

Colagrossi também projeta que haverá uma diminuição no valor dos direitos de transmissão com a "pulverização" das transmissões por vários canais e mídias. Ele ainda destacou que se os clubes quiserem maior visibilidade, não podem jamais abandonar a televisão.

Confira a entrevista abaixo:

O que esperar das transmissões de futebol a partir de agora?

A curto e médio prazo, pouca coisa vai mudar. A MP não tira os direitos adquiridos dos contratos em vigor. Existem três clubes que podem fazer alguma coisa no Brasileiro: o Athletico, o Red Bull Bragantino e o Palmeiras, que podem passar suas partidas na internet. Em 2021, temos que ver como vai ficar o contrato da Globo com o Carioca. Se realmente houve uma rescisão, todos os clubes do Rio estão livres para fazer o que quiser. Em 2022 termina o contrato do Mineiro e do Paulista e a situação é a mesma. O Brasileiro termina em 2024. O torcedor acha que mudou tudo e não é verdade. Se você não for torcedor do Athletico, do Bragantino e do Palmeiras, vai continuar vendo jogos do seu time apenas na TV.

Negociação individual é o melhor caminho para os clubes?

Vamos olhar para as ligas de maior sucesso de audiência e de arrecadação no mundo: NFL, MLB, NHL, NBA, Campeonato Espanhol, Italiano, Inglês e Alemão. Todas negociam direitos de transmissão em conjunto. O exemplo internacional que temos o contrário é a Federação Portuguesa, que optou por negociação individual e os resultados não são bons. Se o exemplo internacional serve para alguma coisa, é para mostrar que a negociação coletiva funciona melhor.

Alguns clubes pretendem investir em transmissões próprias. Esse é o melhor caminho?

Produção de conteúdo custa caro. Ter estrutura, equipamento, equipe, é um investimento pesado para fazer com o padrão que o torcedor está acostumado a ver. Para fazer um conteúdo de qualidade, é preciso alto investimento e como pagar? É preciso uma audiência muito grande e de torcedores que estejam dispostos a pagar. Brasileiro está acostumado a assistir jogo de graça ou pagando para ter todos os jogos. Nunca testamos esse modelo de pagar para ver só o seu time. Quando poderia ser testado, no jogo do Flamengo no Carioca, deu problema no site e podemos ver que houve uma gritaria enorme na internet, de gente criticando a cobrança.

Você acredita que todos os clubes conseguem ter estrutura para transmitir um jogo?

De jeito nenhum. Quantos clubes no Brasil tem tamanho de torcida suficiente para gerar uma demanda que pague as contas? Se falar que os 10 clubes de maior torcida do País conseguem fazer eu digo que não é verdade. E tem um outro ponto. A gente vê nos dados de audiência que a aderência da torcida depende muito do resultado em campo. Se você torce para um time que está ganhando tudo, como o Flamengo, a torcida lota estádio, compra, apoia. Mas eu já vi jogo do Flamengo com seis mil torcedores no estádio e estamos falando do time de maior torcida do País. Precisa avaliar tudo isso.

A experiência de assistir futebol no telefone celular também pode interferir na evolução do streaming?

Por enquanto, a experiência de assistir futebol no celular, comparada a ver na TV, é muito frágil. A tela é pequena, você não vê os mesmos detalhes e tem o delay. No celular, o gol acontece 36 segundos depois. O seu vizinho está ouvindo o jogo pelo rádio e grita gol, você não sabe nem de que time foi ainda. Tem uma outra questão que é o valor investido para assistir um jogo. Hoje, 60% das contas de celular do Brasil são pré-pagas. Você resolve assistir ao jogo com seu pacote de dados, acaba sua internet e você precisa comprar mais crédito. Bom, o clube diz que a transmissão é de graça, mas você paga para ter créditos de internet. Logo, não é de graça. E pesquisas mostram que o usuário gosta de usar o celular para multitarefas. Ficar com o aparelho parado, assistindo ao jogo, não agrada boa parte das pessoas.

Com tudo isso, podemos imaginar que a visibilidade dos clubes também cairá muito, certo?

Vou te dar um exemplo. Teve Flamengo x Boavista, foi recorde no YouTube, com 2,2 milhões de visualizações simultâneas, com o link para todo o Brasil assistir. Na mesma hora, a Globo passou Portuguesa x Botafogo para 13 estados (Rio de Janeiro, Espírito Santo, Juiz de Fora (MG), Distrito Federal, Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe) e deu 7,9 milhões de pessoas assistindo. Olha que o jogo não passou para praças que têm muitos telespectadores como São Paulo, Bahia e Minas Gerais. O jogo do Flamengo, por tudo que aconteceu, talvez tenha sido uma das partidas mais comentadas do futebol brasileiro em 2020 e teve 2,2 milhões. Portuguesa x Botafogo, sem apelo nenhum, que passou para uma parte do Brasil, teve 7,9 milhões. Isso mostra o alcance e a popularidade da televisão. O streaming chegou para ficar, alguns clubes podem aproveitar, mas por enquanto e pelos próximos anos, é apenas um complemento da televisão.

Isso é o poder de alcance da TV aberta ou da TV Globo? Jogos na Globo geralmente têm mais audiência do que em qualquer outro lugar...

Um pouco dos dois. Mas o fato é que os clubes hoje dividem audiência com outros esportes que estão chegando forte no Brasil, como o futebol americano, e também tem os campeonatos europeus. Além disso, boa parte dos torcedores olham o futebol como uma forma de entretenimento e o coloca em disputa com outras formas de distração. Vamos ver como será a partir de 2024. Os valores dos direitos de transmissão devem cair. Antes, existia um monopólio de uma emissora, mas também dos clubes. Agora, vários canais e mídias vão competir pelo mesmo conteúdo e estudos mostram que isso tende a desvalorizar o produto.

Pela forma como se deu a ida da exibição de jogos do Flamengo no Carioca para o streaming, algumas pessoas tiveram a sensação de um confronto entre essas modalidades de transmissão. Mas além de ser complementar à TV, o streaming tem muitos desafios. Quais são os principais?

O streaming dá a oportunidade ao fã que não está em casa e não tem acesso à televisão possa ver o jogo ao vivo. A função é essa, em qualquer esporte. 60% das pessoas têm telefone celular no Brasil em um plano pré-pago. Se você consome os dados, você fica sem acesso às outras funções. E o celular é uma plataforma multifunção. Se você usa o celular para ver o jogo, tira o apelo da plataforma. Então isso tira muito alcance, pois a experiência da TV é muito maior.

O acordo de transmissão do Brasileirão só terminará em 2024, então é impossível pensar em streaming no campeonato nesse momento. O que os clubes devem fazer até lá para que esse modelo seja viável e atraente?

Isso dá aos clubes o tempo necessário para se prepararem. Os fãs estão acostumados a um padrão de transmissão. Se o padrão oferecido pelo clube for inferior, o torcedor só vai tolerar quando for novidade. Os clubes maiores terão transmissão própria. Os menores vão fazer parcerias com empresas que já possuem streaming, dividindo as receitas.

A transmissão por streaming poderá se tornar um concorrente ao sistema de pay-per-view no futuro?

Para concorrer com o pay-per-view, a experiência e a qualidade precisam ser semelhantes. É muito difícil pagar por algo de qualidade inferior. O fã quer uma experiência satisfatória. O fã só tem paciência quando é novidade. Isso pode mudar com o 5G, pela qualidade, com estabilidade de rede e velocidade. Quando chegar ao Brasil, a experiência será superior. Mais para frente, poderá haver uma concorrência direta, mas não no curto prazo.

É possível imaginar que campeonatos relevantes do futebol brasileiro não tenham exibição pela TV, especialmente a aberta?

As dez maiores ligas do mundo privilegiam a TV aberta, menos a Premier League (o Campeonato Inglês), que está na paga. E, na Inglaterra, a penetração é quase igual. Cinco delas vendem pacotes pela internet, mas você não assiste o jogo do Giants (time da NFL) no streaming em Nova York. É bloqueado para que você assista pela TV. Todos usam a televisão como principal modo de divulgação do conteúdo.

Como clubes e patrocinadores podem compensar o menor alcance do streaming para minimizar a redução da exposição das marcas?

O apelo da rede social é o engajamento através da interatividade. A televisão é uma experiência fantástica, mas passiva, com busca pela interatividade na segunda tela. O streaming deve ser usado pelo patrocinador para se conectar aos fãs, para que se tornem fãs das marcas. Tão importante quanto o jogo é o que se faz durante a semana. E aí o clube precisa criar conteúdo para fomentar a paixão e o consumo do torcedor. E isso se faz com conteúdo de fã, de bastidores, de gamificação.

Durante a pandemia, alguns canais apostaram na transmissão de jogos antigos. É um caminho interessante para a audiência?

Temos que olhar com cuidado para esses números. Antes, existia uma demanda de gente que queria ver futebol e não tinha o que assistir. Aí passavam jogos antigos. O resultado foi bom. Se analisar a audiência de 2020 e comparar com a de 2019, 47% das pessoas assistiram pelo menos um minuto de transmissão de jogo antigo, enquanto 86% assistiram a um jogo ao vivo ou um VT recentemente, no mesmo período do ano passado. O que fica como dúvida é se oferecer esse conteúdo histórico no momento em que já existem os jogos ao vivo é uma boa. O que deu para tirar de lição é que canais que não possuem esporte agora, como a Band, podem apostar nesse conteúdo que já está pago e guardado na gaveta. Talvez, não vá liderar a audiência, mas vai ter o seu valor.




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