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Maestro com arranjo caipira
Renata Gonçalez
Do Diário do Grande ABC
10/04/2005 | 19:00
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Se no imaginário coletivo a imagem de Jeca Tatu, personagem imortalizado no cinema por Mazzaropi, é ainda a primeira referência quando se fala em caipira, em Mauá esse conceito já caiu por terra. Pelo menos nos últimos cinco anos, período em que o auxiliar administrativo Joélson de Moura Franco, 24 anos, ocupa o posto de maestro da Orquestra de Violeiros de Mauá. O grupo tem hoje cerca de 70 integrantes, sendo a maioria – quase absoluta – formada por violeiros com mais de 60 anos. Sem ostentar o estereótipo do acaipirado Jeca, o jovem maestro tem nas mãos a incumbência de manter a música caipira de raiz como tradição na cidade.

A Orquestra dos Violeiros de Mauá foi fundada em 2 de agosto de 1990. A data traz consigo uma infeliz coincidência: neste mesmo dia soldados iraquianos invadiam o Kuwait sob a alegação de que o governo kuwaitiano promovia um boicote à economia do país de Saddam Hussein. O então ditador capturado pelos Estados Unidos há quase um ano e meio acusava o Kuwait de praticar superextração de petróleo em campos iraquianos.

Pretexto que tornava evidente o interesse do Iraque em anexar o território do Kuwait, país que encabeça a lista dos maiores produtores mundiais de petróleo. O conflito durou mais de seis meses. A ONU (Organização das Nações Unidas) autorizou o uso da força para que 28 países liderados pelos Estados Unidos contra-atacassem o Iraque e pusessem fim à guerra – pelo menos por 12 anos. Cerca de 140 mil pessoas entre soldados e civis foram mortos ao longo do conflito.

As imagens ao vivo na tevê mostrando mísseis lançados durante ataques noturnos em Bagdá despertavam interesse no garoto Joélson, na época com 10 anos. “Lembro-me bem dessa época. Assistia aos telejornais e lia tudo o que saía nos jornais sobre a guerra”, conta o maestro.

Nem passava pela cabeça do menino nascido na Vila Vitória, um dos bairros mais tradicionais de Mauá, vir a integrar um dia a recém-fundada Orquestra dos Violeiros. Muito menos tornar-se maestro do grupo. “Eu brincava na rua o tempo todo, o que ainda era possível naquela época sem nenhum perigo. Existia até um córrego onde hoje é a avenida Portugal”, afirma o jovem saudosista, provando que nostalgia não é privilégio de quem tem cabelos brancos.

Em vez do programa Viola, Minha Viola, exibido há décadas na TV Cultura e hoje o predileto de Joélson, o futuro maestro dos violeiros não perdia os desenhos Thunder Cats, Caverna do Dragão, Sala da Justiça e o seriado mexicano Chaves. “Era fissurado”, resume.

Tudo começou a mudar quando, aos 12 anos, ele se interessou em aprender violão com a tia, que na época integrava a Orquestra de Mauá. Até então o trabalho do grupo se limitava a cantar e tocar no acompanhamento das missas da Igreja Nossa Senhora das Vitórias, do mesmo bairro onde Joélson nasceu.

“Me dei bem e logo passei para a viola. Virei maestro da orquestra infantil e me apaixonei pela música sertaneja”, conta. Passou a assessorar o então maestro João Aletto Filho em ensaios e apresentações e, desde 1999, assumiu o posto máximo na orquestra.

Embora não seja radicalmente contra artistas ditos comerciais como Chitãozinho e Xororó e Zezé di Camargo e Luciano, aponta como os prediletos Tião Carreiro e Pardinho e Carlos César e Cristiano. Eclético, o jovem maestro se declara fã de Sandy e Junior e da banda de rock Evanescence.

“Na adolescência meus amigos me chamavam de caipira e bicho do mato. Era um preconceito total”, lembra o maestro que estudou na EE Terezinha Sartori, o famoso Viscondão. Joélson pouco ligava para as provocações. E continua não ligando, tanto que hoje é o Roger da dupla sertaneja Roger e Rogério. Atualmente eles gravam um CD. Quem sabe Mauá, que já abrigou Chitãozinho e Xororó, será num futuro próximo um celeiro de artistas sertanejos tão importante quanto Goiânia?



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