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Raul Cortez faz sucesso em 'Esperança'
Pedro Paulo Figueiredo
Da TV Press
05/10/2002 | 16:30
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O italiano Genaro, de Esperança, é o primeiro artista que Raul Cortez interpreta. O ator atribui à música e à sensibilidade do pianista a “extrema alegria de viver” que tem experimentado nos últimos tempos. Não que ele misture vida e fantasia. Afinal, Genaro passou por poucas e boas até encontrar o filho Toni, vivido por Reinaldo Gianecchini, e está longe do que se considera um homem feliz. Mas, para alguém que diz ser ator por julgar a realidade “muito chata”, viver um artista é uma dupla oportunidade de transformação. “Eu preciso acreditar que vivo outra realidade, que sou outra pessoa. Interpretar é reagir a um dia-a-dia às vezes não muito agradável”, afirma Cortez.

Em 45 anos de profissão, Raul fez inspirados retratos. Tipos como o playboy Miguel Fragonard, de Água Viva, em 1980; o bicheiro Célio Cruz, de Partido Alto, em 1984, e o vigarista Herbert, de Brega e Chique, em 1987. Dos mais recentes, Genaro é o terceiro italiano, em três obras de Benedito Ruy Barbosa.

Como nos personagens, é também nos detalhes que Raul manifesta sua elegância natural. Mesmo nas críticas, mantém a voz suave e os gestos comedidos, ainda que revele insatisfação. Atualmente, a maior delas é a falta de tempo para si próprio, conseqüência do ritmo “atropelado” de Esperança. “Eu tenho de estar aqui o tempo inteiro, porque não sei o que acontece amanhã. Ninguém tem o direito de roubar tempo de vida dos outros”, afirma. Nada que lhe tire, no entanto, o prazer de seu instrumento de transformação. “Quando faço um Genaro, estou dizendo: ‘Obedeçam a sua sensibilidade, enterneçam-se com os outros’”, ensina, visivelmente tomado pela ternura do personagem. Leia a seguir trechos da entrevista:

TV Press - O que o levou a aceitar o terceiro personagem italiano, em três obras seguidas do Benedito Ruy Barbosa?
Raul Cortez - Em primeiro lugar, o texto do Benedito e a direção do Luiz Fernando Carvalho, que eu gosto muito. Além disso, o personagem tem uma humanidade absolutamente extraordinária. O que me encanta é um mau humor que ele tem, um não acomodamento na sociedade, na vida. Ele ainda não encontrou muito bem o espaço dele. E é um grande artista. Isso tudo traz uma riqueza de temperamento muito grande. Quanto ao fato de ser italiano, eu estaria mentindo se dissesse que me preocupo com isso. Cada um é diferente do outro. As regiões onde eles moravam são completamente diferentes, os dialetos são diferentes. Então, o que eu procurei fazer foi dar um acento diferente no português que eles falam.

TV Press - Como você se preparou para viver o Genaro?
Raul Cortez - O primeiro elemento foi a música. Eu tive de me aprofundar mais, conhecer mais, ouvir mais. Depois, fui procurando levantar o passado dele: onde ele estudou para saber tocar daquele jeito, qual era o relacionamento dele com a Rosa, por que ele usava aquelas roupas, que tipo de vida ele levava naquele vilarejo tão pequenininho. Você tem de criar uma ponte entre o personagem e você. Depois de estabelecer o que os dois têm em comum, você começa a atravessar, neste vai-e-vem: você vai até ele, ele vem até você. Nessa comunicação, você descobre o personagem cada vez mais.

TV Press - Como você vê a relação de seus personagens com mulheres tão mais jovens? Em Terra Nostra, foi a Paola, de Maria Fernanda Cândido. Agora, a prostituta Malu, vivida por Tatiana Monteiro...
Raul Cortez - Eu estava quieto no meu canto e elas apareceram. Eu não fiz nada para isso acontecer, mas foi maravilhoso. A Maria Fernanda é minha grande amiga até hoje. Na realidade, eu acho engraçada a atração que as mulheres têm pelos homens mais velhos. Isso me faz dizer aos que têm a minha idade: “Calma, nada está perdido”. Eu não sei de onde vem isso, mas, sem dúvida, é muito interessante.

TV Press - O desempenho da novela no ibope afeta o seu trabalho?
Raul Cortez - Eu não trabalho em razão disso. É claro que quando chegam os números do ibope eles nos agradam ou desagradam. Mas o trabalho continua da mesma maneira. Eu não me lembro de ter feito novelas com o ibope baixo. Não me lembro de ter feito nenhum fracasso em televisão. Não sei como agiria estando num fracasso.

TV Press - Esse diálogo da obra no ar com o público lhe traz alguma ansiedade?
Raul Cortez - Não, absolutamente. A obra aberta exige que o seu trabalho seja aqui e agora. Você vive tudo ali, naquele momento, e isso é ótimo. Ansiedade é para quem está começando, para quem ainda se pergunta: “Será que eu sou bom? O que vou fazer depois daqui? Será que estou bem ou não?”. Eu já vivi muito isso. Hoje, não importa acharem se estou bem ou não. O que importa é eu me sentir bem, curtir, brincar, aproveitar o momento que uma obra aberta tem a me oferecer.

TV Press - Você tem claro o momento em que conquistou essa tranqüilidade?
Raul Cortez - Tenho, e foi há pouco tempo. Isso tem a ver com o reconhecimento do território que você ocupou com seu trabalho. Acho que veio junto com o meu amadurecimento de vida. Quando eu comecei a aceitar o fato de as pessoas me chamarem de senhor. Eu acho péssimo isso. Penso: “Ah, meu Deus, vou ouvir isso até quando?”. Mas, tudo bem, faz parte do ciclo. Eu entendi que faz parte do meu ciclo, que eu tenho de completá-lo, e que há vantagens também nesse envelhecimento. Eu posso olhar para trás, ver tudo o que já fiz, ver a minha posição diante de tudo. Eu vejo que a minha opinião tem um peso grande, que eu sou capaz de influir na opinião pública, que sou considerado um formador de opinião. Isso tudo é uma vantagem a se considerar...

TV Press - Que critérios você usa para avaliar seu trabalho?
Raul Cortez - Eu acho que o ator é um agente social. Para mim, ele perde o significado quando deixa de ser. Eu fui criado dentro do teatro político, e compreendi que o artista tem de ser um transformador social. E é muito gratificante você saber por que está aqui, como é que você tem de dar seu recado. É fantástico quando você consegue chegar aos outros. Um trabalho é bom quando traz emoções, faz perguntas, exige soluções.




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