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‘Já deixei de comprar absorvente para colocar a comida na mesa’

Eula Alves, de S.Bernardo, vivencia pobreza menstrual; na região, estima-se que 40 mil garotas já faltaram à aula por falta do item

Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
13/10/2021 | 00:01
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Celso Luiz/ DGABC


Mãe de 11 filhos, Eula Moreira Alves, 43 anos, já precisou escolher entre comprar um item básico de higiene ou alimento para sua família. A decisão levou a dona de casa a usar pedaços de pano no lugar do absorvente para conseguir colocar comida na mesa. “Quando você é a mãe, seus filhos vêm em primeiro lugar. Por diversas vezes pensei assim: vou comprar comida e essa parte (a menstruação) posso aguentar. Na minha época absorvente era coisa de gente rica”, desabafa. 

Assim como Eula, milhares de mulheres vivenciam diariamente a pobreza menstrual, reconhecida pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) como a falta de acesso a itens básicos de higiene, como absorvente, saneamento básico e acesso à informação. 

No Brasil cerca de 25% das meninas entre 10 e 19 anos já deixaram de ir à escola ao menos uma vez por falta de absorvente, segundo dados da Unicef. No Grande ABC, o percentual representa cerca de 40 mil adolescentes desta faixa etária, conforme levantamento feito pelo Diário com dados da Fundação Seade, mantida pelo governo do Estado. 

Essa dura realidade poderia ter tido algum avanço caso o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não tivesse vetado a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda em escolas públicas, pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade social. O veto ainda pode ser derrubado pelo Congresso Nacional, em um prazo de 30 dias após sua publicação.

Segundo o relatório Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos, da Unicef e da UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), a pobreza menstrual afeta a saúde física, mental e o bem-estar das meninas. “Como consequência desse insuficiente ou inadequado manejo da menstruação podem ocorrer diversos problemas que variam desde questões fisiológicas, como alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais, e até uma condição que pode levar à morte, conhecida como síndrome do choque tóxico”, descreve o documento. 

Em mais de 20 anos de atuação, a mestre em serviço social, Sol Massari, 56, já presenciou graves situações de pobreza menstrual na região. “Além da falta de itens básicos de higiene, ainda temos que lembrar da cólica provocada pela menstruação, onde, infelizmente, poucas pessoas têm acesso a medicação para dor. Seja com estudantes, com pessoas trans, mulheres em situação de rua ou que estão no sistema penitenciário, o que fica claro é que nosso sistema é cruel com quem tem útero e constantemente viola os seus direitos mais básicos”, relata a assistente social. 

DIREITOS HUMANOS

A ausência dos direitos menstruais impacta no desenvolvimento do potencial das pessoas que menstruam. A garantia desses direitos vai ao encontro com a garantia dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos, conforme esclarece Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos, e integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

“Precisamos de políticas públicas que possam garantir dignidade às meninas e mulheres que estejam em situação de pobreza menstrual. Trata- se de uma questão de direitos humanos, onde a Constituição Federal prevê o princípio da dignidade da pessoa humana”, explica o advogado.

Municípios se movimentam por políticas públicas sobre o tema

Na região, Mauá é a única cidade a garantir, por lei, o fornecimento gratuito de absorventes higiênicos para mulheres de baixa renda. O projeto de Lei 5.733/2021, do vereador Vaguinho do Zaíra (PSD), foi aprovado pelo Legislativo em agosto e sancionado pelo prefeito Marcelo Oliveira (PT) em setembro. 

Em Santo André, em março deste ano, o vereador Ricardo Alvarez (Psol) apresentou projeto de lei determinando a distribuição de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social, mulheres em situação de rua e adolescentes em fase escolar. O texto precisa de pareceres de comissões da Câmara, embora esteja pronto para ir à votação. Não há prazo para isso acontecer.

Também esse ano foi protocolado indicação em São Bernardo, pelo vereador Ary de Oliveira (PSDB) ao prefeito Orlando Morando (PSDB) para que o Paço distribua absorventes as alunas de escolas da rede estadual localizadas no município. A indicação é uma espécie de sugestão, que não obriga o gestor a adotar tal procedimento.

São Caetano aguarda definições sobre o tema, já que desde o ano passado diversos projetos de lei circulam pela Câmara, mas sem que haja nada concretizado. O assunto voltou à pauta neste ano, em projeto do presidente da Câmara, Pio Mielo (PSDB). O tucano pediu que fossem instalados suportes contendo absorventes femininos em todos os banheiros femininos nas escolas da rede pública. Matheus Gianello (PL) quer que o produto seja fornecido na farmácia do Atende Fácil e o Professor Ródnei (Cidadania), quer que o absorvente seja entregue em shoppings.

Em Diadema, os vereadores Zé Antônio (PT), Lilian Cabrera (PT), Neno (PT), Orlando Vitoriano (PT) e Boy (DEM) protocolaram projeto de lei para instituir um banco de absorventes higiênicos, para doação à mulheres em vulnerabilidade social e inscritas em rede de proteção do enfrentamento à violência contra a mulher. Em Ribeirão Pires, o presidente da Câmara, Guto Volpi (PL), também registrou proposta sobre o assunto.

AJUDA

A Cufa (Central Única das Favelas) de São Bernardo iniciou em maio o projeto Todo Mês Vem para receber e doar absorventes para meninas que vivem em situação de vulnerabilidade. A organização já distribuiu mais de 400 mil itens na cidade e em comunidades vizinhas de Santo André e de Diadema.




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