Cerca de 1.500 homens em atividade na região aderiram
ao bico oficial, convênio firmado com prefeitura da Capital
Três vezes por semana, Paulo (nome fictício) acorda às 4h30, toma banho, veste a farda da Polícia Militar e pega o trem em Santo André. O destino é o bairro da Lapa, na Capital, onde cumpre a rotina de andar pelas ruas do local, fiscalizar o comércio popular e flagrar a possível presença de camelôs. Soldado há sete anos, ganha R$ 150 a mais por dia de trabalho, o que ajuda a incrementar o salário mensal de pouco mais de R$ 2.000.
Assim como ele, cerca de 1.500 policiais da região - 37,5% do efetivo de cerca de 4.000 homens - aderiram à Operação Delegada, convênio firmado entre a prefeitura da Capital e a corporação que permite aos policiais atuarem na fiscalização e combate ao comércio irregular fora do horário de serviço. É o chamado ‘bico' oficial. Nenhuma cidade da região ainda aderiu ao sistema.
Firmado em 2009, o acordo envolve as 31 subprefeituras e prevê a participação de mais de 4.000 policias por dia nos pontos onde já foi registrada presença de camelôs. Toda a despesa é bancada pelo poder municipal, mas a escala de atuação é definida pelo comando da corporação. O horário de trabalho é encaixado dentro das 36 horas de folga que o policial tem direito a cada 12 em que trabalha em suas funções rotineiras.
"Se você me perguntar, é claro que gostaria de poder fazer isso na minha cidade. Mas preciso ganhar dinheiro, o jeito é ir até a Capital mesmo", disse outro soldado, que mora em Mauá e já se habituou a pegar o trem e seguir para a Capital quando precisa de ‘engordar' o salário.
Segundo o comando, não há restrição de que apenas policiais da Capital e de Mogi das Cruzes, a outra cidade onde há a Operação Delegada, possam participar do convênio. Basta aos interessados se cadastrarem quando há vagas abertas. Por isso, é comum policias do Interior e Litoral viajarem para poder trabalhar.
Por mês, o policial pode trabalhar até 96 horas no ‘bico' oficial. Segundo a Polícia Militar, o objetivo é evitar que o policial se desgaste. "Essa atividade também dá segurança jurídica para os que querem fazer um trabalho extra. É melhor do que se expor em serviços onde não terão respaldo", disse o tenente-coronel José Belantoni Filho, comandante interino da região.
Das sete cidades, apenas Ribeirão Pires aprovou lei em 2010 que permite o município discutir a adoção da Operação Delegada. Segundo a Prefeitura, o processo de implementação ainda está em trâmite.
É a única exceção do Grande ABC. Segundo a Polícia Militar, Santo André demonstrou interesse em adotar o projeto, mas as conversas não evoluíram. A Prefeitura não respondeu ao Diário se há interesse.
As demais recusaram a proposta, apesar do comando da região da Polícia Militar confirmar que houve diálogos para tentar convencer os municípios. "Ainda estamos aguardando resposta. Enviamos pedidos para abrirmos diálogo. É um tipo de trabalho que poderia apoiar o já realizado pelas prefeituras", disse José Belantoni Filho.
Segundo a prefeitura da Capital, em 2011 foram gastos cerca de R$ 110 milhões com pagamentos à Polícia Militar por conta da Operação Delegada. Não ter verba para investir ou priorizar gastos com as GCMs (Guardas Civis Municipais são as justificativas para que o projeto tenha sido rejeitado. O GT (Grupo de Trabalho) de Segurança do Consórcio Intermunicipal já entregou há cerca de um ano levantamento que justifica a negativa.
"Cerca de 99% dos policiais que atuam na Operação Delegada fiscalizam, quase que exclusivamente, o comércio ilegal. Não vejo quais ações eles realizariam no Grande ABC que os próprios municípios não sejam capazes de fazê-las", disse Benedito Mariano, líder do GT.
A exigência do consórcio é por aumentar o efetivo da Polícia Militar na região. Atualmente, os seis batalhões locais contam com cerca de 4.000 homens. Na avaliação do GT, há necessidade de mais 1.000 policiais.
"Defendemos que a Assembleia Legislativa aprove lei que garanta pelo menos hora extra aos policiais para que possam exercer funções que são de sua alçada", disse Mariano.
O comércio regional, no entanto, pensa diferente. Se na Capital os donos de lojas comemoram suposto aumento no número de clientes, no Grande ABC a percepção é de que a fiscalização ajudaria a coibir ainda mais os ambulantes ilegais. "A Prefeitura (de Santo André) vem fazendo um bom trabalho. Mas se um acordo com a Polícia Militar puder apertar o cerco aos irregulares, somos totalmente favoráveis. A concorrência com quem não paga imposto é desleal", disse Evenson Dotto, presidente da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André).
"Folga é para o policial poder descansar." Essa é a opinião do coronel da reserva da Polícia Militar e especialista em segurança José Vicente Silva. Contrário à Operação Delegada, ele diz que o governo estadual admite que paga pouco ao permitir o convênio.
"A prefeitura paga valor mais baixo do que o cobrado por empresas de segurança. E conta com homens com treinamento de qualidade. O poder municipal reconhece que a Polícia Militar tem mais preparo para atuar como autoridade legítima do que sua Guarda Municipal", disse.
Exercer atividade paralela não é exclusividade de policiais brasileiros. Nos EUA, o chamado ‘bico' é permitido mediante análise de comissão que avalia se o trabalho extra influenciará ou não as funções rotineiras.
O método de atuação também é alvo de críticas. O policial trabalha em pé e sua presença, apesar de inibir a criminalidade e receber elogios de lojistas paulistanos, não combate o comércio clandestino. Segundo a prefeitura, ainda existem cerca de 20 mil ambulantes ilegais na Capital; o Grande ABC tem cerca de 1.000.
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