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O velho Graça

Editora Record celebra aniversário de Graciliano Ramos na Livraria da Vila, em São Paulo

Miriam Gimenes
Do Diário do Grande ABC
27/10/2019 | 07:51
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Reprodução


Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a famosa cachorra Baleia saíram das páginas do livro Vidas Secas (1938) e ganharam o País. Os personagens, que são um retrato da alma nordestina e da luta pela sobrevivência, são ‘filhos’ do escritor alagoano Graciliano Ramos, que completaria 127 anos hoje.

E, como forma de celebrar o Velho Graça, maneira carinhosa como é tratado pelos íntimos, a Editora Record promove hoje, a partir das 11h, na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915), em São Paulo, um bate-papo com Ricardo Ramos, neto de Graciliano, e os escritores Marcelino Freire e Nita Freire, viúva de Gilberto Freire, além de uma contação de histórias infantis com Terra dos Meninos Pelados.

“Embora ele não esteja com a gente (Graciliano morreu em 1953), é mais um ano de celebração. Vou ser mediador e, é claro, dar meu depoimento em relação à obra dele e como me ensinou sobre a concisão, precisão. Foi o primeiro prosador que eu li, devia ter uns 14 anos de idade e enfrentei um livro chamado São Bernardo (de 1934)”, diz o escritor Marcelino Freire. Ele, que é fã incondicional do alagoano, também vai discorrer sobre a linguagem dos seus textos. “Nunca vi uma pessoa colocar um ponto tão bem. Ele sabe dar ritmo, pulsação no texto.”

Ricardo, que nasceu um ano após o seu avô partir, diz que Graciliano continua sendo um escritor muito atual. “Seu engajamento político via texto ainda está presente em seus romances e na maioria de seus escritos. Infelizmente nossa realidade não mudou nos últimos 100 anos. Continuamos um País miserável, com níveis baixíssimos de educação, saúde precária, e uma política muito pouco interessada em assistir às necessidades do povo. Assim, fazendo um paralelo de sua obra com o Brasil de hoje, acabamos percebendo que os 127 anos que Graciliano, na prática, quase nada significam. Graciliano permanece um jovem escritor alagoano que fala de atualidades bem brasileiras.”

Segundo ele, o próprio livro citado no início da reportagem, Vidas Secas (leia trecho acima), mostra a atualidade de seu texto. “Embora tenha sido lançado em 1938, o problema da seca não foi resolvido. Milhares de Fabianos, Sinhas Vitórias, meninos mais velhos e novos, e Baleias continuam movimentando-se na caatinga em busca de melhores condições de vida anualmente. O sonho da cama de varas, dos filhos na escola, de uma vida melhor não morreu. Continua sendo sonhado por enormes contingentes de retirantes. Gente magra, sofrida, seca como é o solo. Um sonho muito pequeno para um País do tamanho do nosso.”

A vertente política de Graciliano também não será esquecida no encontro de hoje. Em 1936, à época da ditadura de Getúlio Vargas, que terminaria um ano depois, foi preso acusado de ligação com o Partido Comunista. Ficou atrás das celas por 12 meses e transformou a experiência em um de seus mais célebres livros, o Memórias de um Cárcere, que foi publicado depois que ele morreu. No texto ele analisa a prepotência do então presidente e mostra as agruras que o regime ditatorial traz para uma nação.

Outras publicações famosas do escritor são Angústia (1936) e Caetés (1953). “Se Graciliano estivesse vivo escreveria Angústia 2. As vidas nunca foram tão secas por aqui”, analisa Marcelino Freire. Ricardo partilha da mesma opinião. “Meu avô veria com tristeza tamanha danação (este momento do País), para usar uma palavra muito presente em seu vocabulário. Ficaria muito irritado em ver um governo tão limitado, cruel, sádico mesmo, um Estado que deveria ser laico fazendo tantas maldades em nome da religião. Graciliano, tenho certeza, não aliviaria. Sua pena estaria sendo usada para combater o estado atual em que vivemos”. Que falta faz o Velho Graça.  




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