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Grande ABC abandona
Lacan até o fim do ano

Pacientes do hospital psiquiátrico, único do tipo no Grande
ABC, serão atendidos nos Caps e Residências Terapêuticas

Maíra Sanches
Do Diário do Grande ABC
20/05/2012 | 07:00
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As internações de longa permanência de pacientes da região no Hospital Psiquiátrico Lacan, em São Bernardo, único do tipo no Grande ABC, estão próximas do fim. A reestruturação na Saúde Mental liderada pelos municípios da região tem contribuído decisivamente para concretizar o objetivo. Na sexta-feira foi comemorado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, data conhecida por protestos contra a internação compulsória.

Nos últimos anos, as prefeituras construíram (ou reformularam) 21 Caps (Centros de Atenção Psicossocial) e 17 Residências Terapêuticas, onde vivem hoje 124 pacientes - a maioria egressa de hospitais psiquiátricos.

O coordenador do GT (Grupo de Trabalho) de Saúde do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Arthur Chioro, estima que a demanda regional encaminhada ao Hospital Lacan seja zerada em pouco tempo. "As cidades estão comprometidas. É lei federal e obrigação nossa. Estimo que a redução progressiva de leitos seja feita até o fim do ano. Para nós, vale o seguinte lema: temos de tratar em liberdade. Trancar não é tratar. Hoje o hospital é última opção e vale apenas em casos de curta internação."

Em 2002, o processo de redução de leitos em hospitais psiquiátricos e de desospitalização de pessoas com longo histórico de internação ganhou impulso com a elaboração de normatizações do Ministério da Saúde.

No entanto, 11 anos após a regulamentação da reforma psiquiátrica no Brasil, o Estado ainda tem 5.000 pacientes com transtornos mentais internados em leitos públicos há pelo menos um ano. O número era ainda maior em 2008: 6.500. A informação é da Secretaria de Estado da Saúde. Ao todo, são 54 hospitais.

Em 2008, quando foi feito o primeiro censo psiquiátrico do Estado, havia 42 pacientes de São Bernardo internados no Hospital Lacan. Desde 2009 a Prefeitura concentrou recursos na reformulação da rede de Saúde Mental do município. A meta de zerar os encaminhamentos foi concretizada na sexta-feira. Os últimos seis pacientes, que viviam há cerca de 20 anos em ambiente fechado, foram transferidos para a quinta Residência Terapêutica da cidade - a terceira feita só para homens.

O local permite a reinserção social dos usuários, que participam de oficinas terapêuticas e projetos de geração de renda. Muitos voltam a estudar e reencontram familiares. A portaria 106, de 2000, propõe as Residências Terapêuticas como modalidade assistencial substitutiva da internação psiquiátrica prolongada. À medida que os pacientes são transferidos, os leitos são fechados. Hoje, no Lacan, existem pelo menos 18 pacientes do Grande ABC. São oito de Diadema, seis de São Caetano e quatro de Ribeirão Pires. As demais cidades não informaram.

Atualmente a região tem 124 moradores em Residências Terapêuticas. Cada casa pode abrigar até oito pessoas. Cuidadores, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais monitoram a rotina de atividades. Aliado ao trabalho feito nesses lares, os Caps oferecem tratamento e dispõem de leitos. O tempo máximo de internação é de 72 horas.

As prefeituras de Mauá e Diadema, onde ainda não há o serviço, informaram que a abertura das residências está em planejamento.

A diretoria do Hospital Lacan foi procurada durante toda a semana, mas não se manifestou.

Grande ABC é o pioneiro em processo de desinternação

O avanço na reestruturação da Saúde Mental, iniciado na década de 1990, passa pelo Grande ABC. Na época, a região tinha cerca de 1.500 leitos psiquiátricos.

Hoje, no Hospital Psiquiátrico Lacan, estão disponíveis 111 leitos do SUS (Sistema Único de Saúde). Com a construção dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) para tratamento de pacientes com transtornos mentais e vício em drogas, aos poucos os usuários foram transferidos para o modelo assistencial que substituiu os manicômios.

O movimento da luta antimanicomial alcançou importantes conquistas no Grande ABC. Foram fechados os hospitais São Marcos, em Mauá, Borda do Campo, em Santo André, e o Charcot, localizado na Capital, divisa com São Bernardo. Todos eram considerados impróprios e com condições sub-humanas.

"O Hospital Lacan é referência regional para quadros agudos de intoxicação por drogas. Por isso, os municípios precisam desenvolver seus próprios serviços e políticas de Saúde Mental para conseguir absorver esses casos. Acredito que estamos muito bem preparados. Já somos pioneiros em desospitalização", disse a coordenadora de Saúde Mental de São Bernardo, Suzana Robortella. De acordo com ela, a comparação com o sistema vigente há 20 anos é imensurável. "A região montou muitos serviços e até as internações de curta permanência estão em queda."

A criação do Fórum Popular de Saúde Mental do Grande ABC também contribuiu para que a luta concretizasse avanços na área. Uma vez por mês, trabalhadores da saúde, usuários, familiares, associações e sindicatos se reúnem para debater as prioridades regionais do setor. A luta do fórum é pelo fechamento de hospitais psiquiátricos, ampliação dos Caps 24 horas e dos serviços complementares, como as Residências Terapêuticas.

Família que ignora diagnóstico induz internações

Casos de transtornos psíquicos graves geralmente abalam os pilares das famílias. Saber lidar com o diagnóstico é fundamental para dar início ao tratamento. Caso contrário, as sequelas podem se arrastar por anos, e a vida saudável é abreviada. "A hospitalização muitas vezes acontece porque a família não consegue encarar o diagnóstico. Ela delega ao hospital aquilo com que não suporta conviver", explica a psicanalista Sonia Pires, do Bem-Me-Care-SOS Family, especialista em trabalhar com impacto da má notícia em famílias.

A princípio, a reação mais comum é negar a realidade. Confundir o transtorno com picos de estresse ou atribuir a fase aos momentos de tristeza também é frequente. "É um jeito de dizer que aquilo não está acontecendo."

Nesses casos, o mais recomendado é manter a frieza, buscar ajuda médica e tentar aproximação com o paciente. É preciso ter atenção com os sintomas prolongados e com as alterações súbitas de comportamento. Períodos de angústia, sofrimento e risco maior de morte podem ser sinais da iminência de algum transtorno psíquico.

 

Vínculo entre pacientes e cuidadoras é diferencial

O dia a dia nas oito Residências Terapêuticas de Ribeirão Pires, onde moram 54 mulheres, tem suas particularidades. As tarefas domésticas são feitas por cuidadoras que tomam conta das pacientes em esquema de plantão. A maioria nunca recebeu visita da família e guarda ressentimentos que os traços faciais não conseguem esconder. Mesmo assim, é fácil identificar sorrisos pelos cantos.

Algumas ajudam nas tarefas. É o caso de Geralda (nome fictício). Com mania de arrumação, ajeita cuidadosamente as roupas das colegas no mesmo armário. Entrar em seu quarto é quase proibido. "Feche a porta, por favor", pediu, ao mudar de cômodo. As casas são arejadas, limpas, têm comida farta e televisores. Psiquiatras e psicólogos fazem visitas regularmente.

Há apenas um mês como cuidadora, Angela Ferreira, 31 anos, se sente em casa, mas conhece os limites. "O ambiente é delas. Nós somos intrusas e devemos nos adequar." Lidar com a rotina ficou mais fácil depois de ver sua prima adoecer. "Quando sentimos na pele, o trato é diferente. Nos doamos como família."

O salário mensal para três dias de trabalho por semana é de cerca de R$ 800.




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