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Montanhão, onde tudo se improvisa
Elaine Granconato
Do Diário do Grande ABC
11/07/2011 | 07:09
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Orlando Filho/DGABC


Sem infraestrutura adequada e na base da criatividade, o Montanhão, localizado em área da periferia de São Bernardo, é o que se pode chamar de bairro do improviso. Ali, para tudo se dá um jeitinho, no melhor estilo do brasileiro, para adequar situações. Muitas delas inusitadas. Desde as populares ligações clandestinas de água e de luz até dividir um mesmo salão comunitário para festas, batizados e velórios.

No local, há uma única igreja católica, de Santo Expedito. E vários templos evangélicos se espalham. Porém, nenhum responsável se prontifica a oferecer os espaços para realizar o velório. "O mesmo salão a gente usa para festas e para velar o defunto", contou um morador e mecânico de autos, que preferiu não se identificar.

No Montanhão, a população se encontra e se esbarra entre o sobe e desce diário das cerca de 30 escadarias existentes - muitas delas em situações precárias e escondidas entre vielas e passagens secretas, como se fosse labirinto. O visitante de primeira viagem se perde. E se estiver fora de forma, com certeza, sentirá palpitações só de pensar em escalar 300 degraus de chão de pedra no fim da Passagem dos Cafezais, uma das principais vias do populoso bairro de São Bernardo.

O presidente da Associação dos Moradores da Estrada do Montanhão que o diga. Confeiteiro dos bons, hoje aposentado, Geraldo Silva Duarte, 58 anos, tem 22 de sobe e desce no morro. Recentemente teve problema sério no coração e precisou ser hospitalizado. Mas garante que não foi por conta do esforço. "Andar por aqui tiro de letra", afirmou.

Aliás, seu Geraldo, como é conhecido pela comunidade do Montanhão, mais parece vereador. Popular e carismático, basta o aposentado andar um pouco pelas vielas que a cobrança por isso ou por aquilo começa. Ex-motorista, Zair Manoel, 66 de vida e há 30 no bairro, foi um deles. "Geraldo andava sumido", questionou o vizinho na primeira marcha, para depois engatar uma terceira e partir para o ataque. "A coisa está feia por aqui. Caiu toda a laje da comunidade", ao apontar para a equipe do Diário conferir in loco. O que seria confirmado mais tarde.

Outro ponto interessante é que os próprios moradores nomeiam suas vielas. Por exemplo, a Passagem do Sossego. Para o marceneiro Almir de Oliveira Braga, 45, falta lazer. "A quadra de esportes é necessidade", afirmou. As crianças se divertem em pequeno espaço de terra batida, com pedaço de trave enferrujada de apenas um lado.

Geraldo disse que o prefeito Luiz Marinho (PT) incluiu a quadra como "prioridade" no PPA (Plano Plurianual) 2009. A Prefeitura informou que um "CEU está sendo construído na entrada do Jardim Silvina". O local, porém, fica distante do coração do Montanhão

Moradores retiram cartas em sede

Sem correspondências entregues de porta em porta, a saída no Montanhão foi reunir todas as cartas em um único local. O Conselho Comunitário do Núcleo Cafezais, aquele que serve de espaço para festas e velórios, também abriga a caixa postal disponibilizada pelo Correios.

O serviço é utilizado apenas por moradores sócios da associação dos moradores. "Cada um tem a sua chave da caixa postal", explicou a funcionária Regina Aparecida da Silva, 40 anos.

Pelo menos 720 caixas ficam espalhadas por uma das salas, que ainda abriga livros para empréstimo à comunidade. Regina reclamou que o carteiro não passa diariamente pelo local. "Ele está vindo de uma a duas vezes na semana", disse.

O morador Almir de Oliveira Braga, 45 anos, dono de marcenaria no bairro, reivindica que as correspondências sejam entregues de casa em casa. São três CEPs disponíveis.

Procurada na terça-feira por e-mail, a assesssoria dos Correios ainda apura as reivindicações e queixas para responder ao Diário, conforme informado na sexta-feira à tarde.

Para aqueles moradores que não são sócios, a alternativa é dirigir-se à agência central dos Correios da cidade para buscar suas correspondências.

Para entrar na sede do Conselho Comunitário existem dois lados. Em ambos, os sócios não têm escolha e caem novamente na rotina do Montanhão: enfrentar 25 degraus para buscar sua carta.

Morro ainda possui famílias e imóveis em áreas de risco

Encravado entre a Represa Billings e a divisa de São Bernardo com Santo André, o Montanhão foi alvo de ocupação irregular com barracos de madeira na década de 1980. Hoje, os altos morros com vegetação foram substituídos por imóveis em alvenaria, a maioria apenas no reboque e sem pintura. Muitas casas ainda estão localizadas em áreas de risco.

Além de habitações irregulares, o bairro carece de infraestrutura básica e de manutenção. Alguns lugares ainda têm esgoto a céu aberto, há falta de água nos pontos mais altos do morro e problemas de segurança, segundo os moradores. O problema com tráfico de drogas ainda é crítico.

Não há escola nem unidade de Saúde. As crianças do Montanhão utilizam, principalmente, a Escola Estadual Edson Danilo Dotto, que fica no vizinho Parque Selecta. A separação é a travessia a pé pela Estrada do Montanhão e série de degraus de escadaria para chegar ao outro lado.

A Prefeitura de São Bernardo disse que construirá a Unidade Básica de Saúde Montanhão em 2012, em área entre o Parque Selecta e o Jardim Silvina - esses são os locais que atendem hoje à população do bairro.

Origem

Os Baraldi, descendentes dos primitivos italianos, se estabeleceram no Montanhão na década de 1870. Naquele tempo, o local era selva cerrada, de acesso difícil e fauna das mais diversificadas. Existiam porcos-do-mato, antas, pacas, veados e macacos.

Nesta época, a família Baraldi procurava cascas de passariuvas - matéria-prima para curtir couro. Em carrinho de mão, puxado por homens e animais, o material obtido era transportado até o centro da Vila de São Bernardo. Havia muito palmito, além de madeira excelente para a construção de móveis.




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