Cultura & Lazer Titulo Raios gama
Espetáculo luminoso
Por Gerson Paiva, Cristiano Bastos e Antonio Pavão*
03/05/2010 | 07:00
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Em uma região da atmosfera, a cerca de 20 quilômetros do solo, ocorre um fenômeno majestoso: os flashes terrestres de raios gama. Descobertos apenas em 1994 por um observatório espacial norte-americano, esses pulsos eletromagnéticos de alta energia têm sua origem na violenta colisão de elétrons acelerados a velocidades próximas à da luz contra moléculas de ar.

A natureza deste fenômeno permaneceu misteriosa até o ano passado, quando uma equipe de pesquisadores brasileiros explicou seu mecanismo. Ano que vem, o satélite Firefly promete dar a prova definitiva sobre os processos físicos envolvidos na formação desse espetáculo atmosférico.

Flashes terrestres de raios gama ocorrem, em média, 50 vezes por dia e têm duração de cerca de um milésimo de segundo por pulso. Sua energia varia de alguns milhares de elétrons-volt até 20 milhões de elétrons-volt (20 MeV).

Sabe-se que raios gama - ondas eletromagnéticas ainda mais energéticas que os Raios X - são produzidos, por exemplo, em fenômenos astrofísicos de alta energia, como em explosões de estrelas.

Elétrons como sementes - A produção de raios gama terrestres, segundo vários modelos, funciona assim: um elétron-semente, de alta energia (provavelmente, liberado de um átomo pelo choque de uma das partículas dos raios cósmicos), ioniza várias moléculas de ar. Os elétrons arrancados dessas moléculas são, por sua vez, acelerados pelos altos campos elétricos presentes nas nuvens de tempestade. Esse enxame de elétrons energéticos pode, então, emitir radiação gama à medida que são freados pelo ar circundante.

Com base em cálculos computacionais e em dados obtidos por meio do satélite Rhessi, da Nasa, David Smith e colaboradores, do Departamento de Física da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz (Estados Unidos), sugeriram que, para os flashes de raios gama ocorrerem, seriam necessários 100 quatrillhões (1017) de elétrons dotados de grande velocidade, em uma altitude entre 15 e 20 quilômetros. Mas haveria outro pré-requisito: esses elétrons deveriam ter energia (cinética) média de 35 MeV! Onde haveria elétrons tão energéticos?

O pulo do gato - A explicação para a formação dos flashes de raios gama foi obtida pelos autores deste artigo. A equipe de pesquisadores do Departamento de Química Fundamental da Universidade Federal de Pernambuco achou algo que havia passado desapercebido pelos teóricos até então: a natureza das partículas que originam a avalanche de elétrons, ou seja, aquele enxame de elétrons-semente. A resposta poderia estar nos elétrons provenientes da decomposição de múons, os primos mais pesados dos elétrons (cerca de 200 vezes mais) e que formam cerca de 80% das partículas constituintes dos raios cósmicos

O que justifica o papel dos elétrons oriundos do decaimento dos múons como protagonistas dos flashes terrestres de raios gama é a magnitude de sua energia cinética. Ela é, em média, exatamente aquela calculada por Smith e colegas: 35 MeV. E aqui está o pulo do gato da proposta dos pesquisadores brasileiros.

Segundo eles, quando ocorre um tipo específico de relâmpago muito intenso - que transfere, no interior da nuvem de tempestade, enorme carga elétrica -, a nuvem fica carregada negativamente e irá frear os múons, que assim terão tempo suficiente para decair e produzir os elétrons altamente energéticos necessários para gerar os raios gama.

É entendendo os pormenores de como esses pulsos de raios gama se formam aqui na Terra que poderemos prever sua possível formação em outros planetas do Sistema Solar e em outras partes menos acessíveis do universo. Estudá-los é também forma de nos prevenir contra doses altas desta forma de radiação, que, devido à sua elevada energia, pode causar danos irreversíveis no núcleo de nossas células.

* Departamento de Química Fundamental, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Universidade Federal de Pernambuco




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