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Quantos Bernardos?

Creio que esse seja um dos textos mais difíceis que já escrevi...

Carlos Ferrari
Do Diário do Grande ABC
23/04/2014 | 07:00
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Creio que esse seja um dos textos mais difíceis que já escrevi. Complicado, não pela linguagem, tão pouco por minhas convicções, mas muito pelo horror do fato em si.

A morte de uma criança por si só já é algo que nos incomoda e paralisa. Trata-se da inversão lógica sustentada pela ideia que nos faz crer no milagre da vida, materializada pelo desafio de se visualizá-la enquanto jornada a ser vivida e vencida.

Assim, nosso assombro se torna maior quando a tal caminhada é interrompida propositadamente. Pior que isso, quando o feitor de tamanha crueldade é aquele ou aquela responsável por criar, proteger, enfim, por fazer com que a beleza de viver seja consagrada, com sentimentos e valores básicos como segurança e amor.

Nossa sociedade então assiste sem palavras e sem respostas notícias recorrentes de pais que, com requintes de planejamento e perversidade, roubam a vida de seus filhos. Tais homens e mulheres, ainda se defendem, negam, e tentam transformar suas aberrações de conduta em objeto de retóricas jurídicas passíveis de defesas e atenuação de eventuais penas em tribunais.

Notem que, de repente, o bizarro, o monstruoso, enfim, a bomba que renega todos os nossos valores seculares, acaba se resumindo à disputa de programas sensacionalistas de fim de tarde por audiência, e de advogados por notoriedade, mesmo que, para tanto, verdadeiras bestas-feras possam vir a ser absolvidas. O Brasil avançou com a promulgação de uma constituição cidadã, garantidora de direitos, documento pactuado e pensado, para trazer aqueles mais vulneráveis para a centralidade do que chamamos, hoje, de acesso à proteção social. Temos as leis orgânicas da Saúde, da Assistência Social, e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Então, o que será que está faltando?

O objetivo deste texto não é apontar respostas, até porque creio que não as tenho, ao menos na totalidade. Tenho, sim, minhas opiniões, que se forjam a partir de um misto de indignação e crença na necessidade de termos ressignificadas nossas relações sociais. Antes disso, porém, penso que se faz urgente resgatarmos nossa capacidade de indignação e mobilização. A sociedade brasileira não pode se manter anestesiada diante de feitos que afrontam seus principais pilares de sustentação.

Não podemos permitir a banalização do ato de se tirar uma vida, muito menos aceitar que nossa legislação abra brechas para impunidade em situações extremas como as que tratamos aqui.

Penso que tratar desse tema neste espaço foge de minha expertise. Logo, assumo o risco de falar com mais emoção ou menos argumentos. Dito isso, acredito que vale à pena correr o risco, pois como já é dito pelo velho jargão popular, melhor errar pela ação que pela omissão.

Convido-lhes com esse pequeno artigo a também se posicionar. Devemos, sim, nos colocar contrários diante de absurdos que nos fazem mal. Hoje já nos apropriamos das redes sociais, e ainda temos as conversas formais e informais, e tantos outros espaços que nos permitem expor nossa revolta e ao mesmo tempo nossa vontade de se ter um País mais humano, justo e solidário.

Tenho a esperança de que estejamos tratando de aberrações que se configuram em exceções, portanto merecedoras ainda de mais empenho para que não as vejamos se repetir.

* Carlos Ferrari épresidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) eé atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde). 




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