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Ode à insanidade

Gostaria de ter participado com afinco do projeto genoma...

Rodolfo de Souza
Do Diário do Grande ABC
30/12/2013 | 07:00
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Gostaria de ter participado com afinco do projeto genoma, e com ele ter aprendido uma técnica de decodificação do cromossomo da insanidade, com o único intuito de produzir um antídoto. E se não o encontrasse, tentaria um método de tornar louco aquele que tem o equilíbrio emocional como característica primeira de sua irritante personalidade. É... Talvez fosse melhor.

O sujeito que respira fundo e engole a seco as aporrinhações desta vida, sapos de todos os tempos e tamanhos, é, por assim dizer, motivo de chateação para quem está habituado a ganhar tudo no grito, coitado, e se aborrece, a despeito da procedência divina do dom da paciência concedida ao outro só para desconcertar e agredir. Causa até mal-estar vê-lo à mercê da determinação genética que por certo cuidou para que assim fosse: calmo, bem-humorado, que sempre esquece para recomeçar. Há nele um desejo latente e insuportável de tornar tudo um pouco melhor, desprezando gestos de extrema pobreza mental que o pavio curto insiste em proclamar como bandeira de toda uma existência e que colabora para tornar muito feio este mundo.

Na academia da vida, o homem calmo procura caminhar numa esteira de ovos, só para exercitar esta paciência desprezível que o torna senhor dos próprios impulsos, a ponto de nunca fazer uso dos punhos e da ofensa barata para resolver as questões que surgem no dia-a-dia. Virtude exaltada por muitos, embora copiada por poucos. Chego a perder a calma com indivíduo assim controlado, sempre propenso a considerar os motivos que levam o outro a perder a cabeça.

Logicamente que, por ser humano, não é infalível e está sujeito a sair dos trilhos e fazer desandar o caldo também. Por que não? Nasceu nesta planície e nela foi criado, e ainda possui, correndo afoito pelas veias, o mesmo sangue quente de todo ser vivo! Diga-se de passagem, uma ótima ideia seria explorar esta fraqueza para enlouquecê-lo de vez! Fazer dele a mais torpe figura é mesmo o objetivo do louco. Destituí-lo do tão nobre anseio de propagar a conversa e difundir a educação é providência que deve ser tomada com urgência, para que pare de amolar.

Mas o diabo do equilíbrio faz desse homem de ferro um escravo das circunstâncias, simplesmente porque releva. Ainda mais se é dotado de um bocadinho de vivência escolar associada a uma leiturazinha que por décadas lhe serviu de companheira. Um espírito de observação e entendimento, pois, é o que normalmente resulta desta comunhão entre tranquilidade e leitura. Tudo muito lindo, desde que não houvesse aborrecimento e o ser, objeto desta reflexão, não tivesse o organismo equipado com terminações nervosas que o tornam tão humano quanto os demais. O fato de enxergar com mais nitidez as mazelas que tanto trabalham em favor das agruras da vida, dão um determinado peso à sua consciência quando julga mal aquele a quem foi relegado o privilégio da insanidade. Bate até uma inveja que poderia muito bem ser utilizada para atender a necessidade premente de torná-lo maluco também! Uma forma de se criar a raça pura, tão propalada em tempos idos, e que agora seria formada somente de loucos. E todos viveriam melhor assim, mergulhados na quimera repleta de fadas e sombras que fazem gato e sapato do espírito destrambelhado. E toda a civilização humana, finalmente, estaria livre dele, do chato que prefere a voz baixa à gritaria, que também ouve ao invés de só falar, que julga fundamental o mínimo de respeito ao próximo.... Onde já se viu? Sujeito louco!

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com.
 




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