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Amy Winehouse: biografia às pressas
25/09/2008 | 07:51
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A primeira pergunta que as pessoas têm feito ao se deparar com Amy Winehouse - Biografia, de Chas Newkey-Burden, é: ‘mas já escreveram um livro sobre ela?' Pois é. Nesses tempos velozes de estrelato instantâneo e consumo inconseqüente, em que até bicho de estimação de peruas tem comunidade na internet, por que não ela?

Histórias para preencher as páginas não faltam se for contar a quantidade de escândalos da cantora, envolvendo bebedeira, overdoses de drogas, shows interrompidos, brigas e tentativas de reconciliação ruidosas com o marido Blake Fielder-Civil.

Em grande parte é disso que trata o livro lançado no Brasil (Editora Globo, 208 págs., R$ 19,90), com tradução de Helena Londres. Acontece que, como na mídia, o imenso talento artístico de Amy como cantora e compositora - sem dúvida a figura feminina mais importante da música pop desta década - acaba perdendo no livro para a lavação de roupa suja.

De imediato, com tão pouco tempo de (fulminante) carreira artística, não poderia ser muito diferente, já que, como qualquer fã sabe, vida e obra de Amy se confundem. Seja nos dois álbuns, Frank (2003) e Back to Black (2006), ou em canções avulsas, tudo o que ela canta com contundência foi bem vivido.

Até aí, nenhuma novidade, e esse é um dos motivos pelos quais o livro a certa altura se torna redudante e cansativo. Fica a impressão de que Chas o escreveu às pressas, tão oportunista quantos os tablóides que critica.

O autor entrevistou o pai e a mãe da cantora, alguns jornalistas, pessoas do showbiz e outras ligadas a ela, mas a biografia em grande parte reproduz notícias dos tablóides, compila frases de reportagens de jornais mais sérios, enumera suas premiações e conta como armou o estiloso cabelão.

É uma espécie de clipagem encadernada, que não dispensa nem os casos extremos em que os "urubus da imprensa marrom" descrevem minuciosamente até o material básico de sobrevivência que ela compra no supermercado. Haja paciência!

Para quem gosta de fofoca das mais venenosas, há farto material pontuando a agonia das overdoses de Amy e o sofrimento pela separação do marido. Desde o início do livro, aliás, sabe-se que Blake está preso. Porém, é só na página 179, no último capítulo antes do epílogo, que ele vai saber o motivo da detenção de Blake. Este é só mais um caso de irritante falta de objetividade ao longo da biografia. A propósito, ele está preso desde 2007 por agredir e ferir gravemente o proprietário de um pub.

Mexendo num vespeiro desses, o livro perde a atualidade a cada edição de tablóides como The Sun, que informou anteontem que Blake se recusou a trocar a cadeia por uma casa de reabilitação. Ele pode ser condenado a dez anos de prisão e com isso - dada a paixão profunda de Amy por ele e o notório comportamento autodestrutivo da cantora - sua carreira e até sua vida correm risco de ter um fim trágico, como temem os pais, amigos e fãs.

Voltando ao livro, a culpa pelos entraves na leitura não cabe só ao autor. Há erros gritantes de tradução e revisão e deslizes de checagem de informação. Na página 54, o texto diz que, em 2006, Amy e Simon Fuller (criador do American Idol) se separaram profissionalmente. Então, a cantora "adotou Raye Cobert como seu novo agente" e "logo depois assinou seu primeiro contrato com a Universal/Island Records".

Como é possível, se seu primeiro álbum, Frank, saiu pela citada gravadora em outubro de 2003? Na página 96 há uma frase de péssima construção: "The Times declarou: ‘Esse compacto, cheio de canções realmente antiquadas como grande souls, a exemplo dos Dinah Washington'..."

Fora deixar passar coisas como "nazal" em vez de nasal, Tears Dry on Their On, quando o correto é Their Own, e "os Smith" no lugar de The Smiths, entre vários outros equívocos, fica também evidente a falta de intimidade da tradutora com o jargão musical.

Não há fundamento em traduzir jazz standards ao pé da letra para "padrões do jazz". Mais: "single de estréia" é erroneamente situado como "estréia do single", dois jazzmen, o baixista Charles Mingus (1922-1979) e o pianista Thelonious Monk (1917-1982), aparecem numa lista de "cantores". O mais irritante é que a tradutora chama a lendária gravadora Motown de "o" Motown incontáveis vezes.

Entre as melhores partes há uma que detalha com bons comentários faixa por faixa os dois álbuns da cantora. Outros trechos interessantes em que a música é o centro da questão, fala-se de suas influências do jazz, dos shows bem-sucedidos, da conquista da América e as críticas favoráveis a suas atuações no palco e em gravações.

Um dos entrevistados que saem em sua defesa é a jornalista britânica Julie Burchill, que a compara a Edith Piaf (1915-1963), Judy Garland (1922-1969) e Billie Holiday (1915-1959), mulheres históricas, divindades da canção planetária, com "grande talento para cantar" e "também uma grande capacidade para adotar um comportamento temerário". Bom motivo para se preocupar com sua possível vinda ao Rio para o Réveillon (deve ser uma festa fechada para 4.000 pessoas no Forte de Copacabana), seguida de pequena turnê que deve passar por São Paulo.




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