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Raíza: Grande ABC tijolo a tijolo
Walter Wiegratz
Da Redaçao
08/01/2000 | 17:16
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Com quantos tijolos foi erguido o Grande ABC? A resposta para essa pergunta é menos importante do que o fato de que foram as muitas olarias instaladas desde cedo na regiao que contribuíram para dar forma ao que hoje se vê à nossa volta, um emaranhado interminável de casas, edifícios e indústrias, muitas indústrias.

Entre tantos oleiros que no passado amassaram o barro e moldaram tijolos está Olice Raíza, hoje um empresário do ramo da construçao civil, dono da Construtora Ipoa, de Sao Bernardo. "rei do tijolo", como já foi conhecido nos idos dos anos 50, quando a regiao possuía cerca de 800 olarias, seu Olice filosofa ao falar do passado. "As olarias nao faziam somente tijolos, mas telhas, vasos, políticos, empresários e, até mesmo, jogadores de futebol". A seguir estao alguns trechos de sua saga, contada ao Diário, um grande indicativo de que uma história de fibra pode ser erguida tijolo por tijolo.

Os avós de Olice, Lourenço e Albina Machio Raizza (esta a grafia correta do sobrenome) eram de uma família de tradiçao agrícola, que habitava a regiao de Beluno, na Itália, e vieram para o Brasil em 1895. Ainda no navio, Albina deu a luz ao filho Alberto, pai de Olice.

Nos primeiros tempos de Brasil, a família Raizza trabalhou a terra na pequena chácara financiada pelo governo que ficava na cidade de Cabreúva, no interior do Estado. A vocaçao para o ramo de olaria desperta quando os Raizza se mudam para Jundiaí, o ano era 1918. Alberto casou-se com Maria Guizotto, com quem teve 11 filhos. Olice é o quarto filho. Ele conta que foi na multiplicaçao da linhagem e nos sucessivos registros de nascimento, que os Raizza perderam um dos "z" do sobrenome.

Aos oito anos o pequeno Olice já pegava no pesado, trabalhando, como ele mesmo diz "de escuro a escuro". "Eu trabalhava tanto que chegava a desmaiar, meu único alimento era farinha e café escuro", rememora. "Meu pai dizia que eu era o único filho que daria certo na vida, porque encarava com criatividade os desafios do trabalho, e isto ainda menino".

Sem perspectivas em Jundiaí, a família se muda para a entao inóspita regiao do bairro Sacadura Cabral, na divisa entre Sao Bernardo e Santo André. A atividade de entao era a extraçao de alumínio, cujas "pelotas" eram arrancadas aos montes e com facilidade do chao.

Mas nem só de trabalho vivia a garotada, que tinha no riacho dos Meninos um lugar propício para a realizaçao de traquinagens e de longos banhos. As ras capturadas ali eram vendidas nas ruas principais da cidade ou passavam a integrar os poucos restaurantes da regiao.

Ao mesmo tempo, os membros da família trabalhavam nas olarias do antigo bairro do Ponto Alto (hoje Jardim Silvina), sempre como empregados. A produçao era escoada por carroças pela estrada do Montanhao (atual avenida José Fornari), uma vez que os poucos caminhoes existentes nao conseguiam alcançar o local. "Na olaria prevalecia a lei do cao, porque o trabalho era muito duro". Foi a família Raizza que à pá e enxada ajudou a conservar a estrada, a pedido da prefeita da Sao Bernardo, Thereza Delta.

Padeiro - Antes de iniciar sua jornada solo como dono de olaria, o seu Olice conta que fez um divertido, mas elucidador, estágio como padeiro. Depois de comprar uma carroça por 30 mil cruzeiros, pagos em 30 mensalidades, ele foi à lida.

"No primeiro dia de trabalho, na hora em que o cliente pediu para eu marcar a compra na caderneta tive uma grata surpresa, pois me lembrei que era analfabeto", conta aos risos. Olice disfarçava o embaraço ao pedir para que os próprios clientes anotassem a compra. "Era uma época em que prevalecia a boa fé".

Foi a esposa Maria Aparecida que ensinou o aprendiz de padeiro a conhecer os números, fazendo uma lista de cálculos que ele logo memorizou. Em dois anos, toda a clientela da regiao estava cativada e a carroça estava paga.

Seu Olice venceu a concorrência dos caminhoes Ford, ele era o único padeiro que tinha carroça, literalmente no braço. O desafio do seu Olice foi vencer a íngreme ladeira da rua Jerusalém que, segundo ele, nenhum caminhao conseguia subir. "Um dia acordei disposto a subir a ladeira com um burro só puxando a carroça. Comprei uma corda maior, amarrei o animal e enfrentei o desafio. Eu só pensava que o que quero, consigo, e fui controlando o peso para nao sobrecarregar o animal. Ao chegar lá em cima, eu e o burro estavamos com a língua para fora, nem acreditei que tinha subido a ladeira", relata em meio a gestos e arrancando risos. Ele conta que "deitou e rolou de tanto vender pao". Quando o português da padaria perguntava descrente como ele havia subido com apenas um burro a ladeira da Jerusalém, Olice arrematava. "Com um burro só nao, eu subi com dois".

Por conta - Nos idos dos anos 50, seu Olice adquire finalmente sua olaria. "Peguei um dinheiro emprestado, logo eu que era peao, mas tinha crédito". Faltava entao a matéria-prima, isto é, o barro. Ele logo percebeu que o melhor barro estava justamente em uma propriedade da Light Power e, com a cara e a coragem, lá foi o peao encarar o presidente da multinacional, Mário Leitao.

Seu Olice saiu da empresa com um contrato que estabelecia que o barro extraído seria pago com 2 mil tijolos. Mas o que a olaria produzia era logo comprado pela Light. As estaçoes de tratamento de água e de bombeamento de esgoto construídas pela Light utilizam os tijolos da olaria Raíza.

Nos áureos tempos da olaria, seu Olice chegou a ser conhecido como o "rei do tijolo", com uma produçao própria que ultrapassava mensalmente a casa do milhao, além de ser um hábil revendedor da produçao de seus concorrentes.

Os tijolos de seu Olice fazem parte de marcos metropolitanos, a exemplo do Estádio Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, em Sao Paulo, e do conjunto IAPI, em Santo André. Na verdade, os tijolos nao só ganharam a capital como desceram a serra indo parar em inúmeras obras na Baixada Paulista, como também pegaram o aviao e participaram da edificaçao de Brasília.

"O segredo do meu sucesso foi sempre trabalhar. Quem acorda cedo, trabalha o dia inteiro e vai dormir cedo, nao tem tempo para gastar o dinheiro. Quem nao trabalha tem tempo para gastar", conta. E, assim, os tijolos do seu Olice foram construindo história, até o dia em que ele cansou de bater no barro e virou construtor...




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