Conhecido do público americano, espanhol e francês, "Outras Américas" é mais um tratado antropológico de Salgado. Mas a observaçao do homem nesta obra é realizada com um componente novo, uma lente que o fotógrafo nao utilizou em "Trabalhadores e Terra", seus dois volumes anteriores.
Nas 48 imagens em branco-e-preto, o artista busca a alma da América Latina como quem volta para casa. Outras Américas é um refinado ensaio sobre um sentimento comum entre os que vivem neste canto do mundo, mas é também um poema sobre a saudade. A saudade que um filho sente de sua terra-mae.
Essa espécie de banzo que impulsionou os registros de gente do Nordeste brasileiro, do Chile, da Bolívia, do Peru, do Equador, da Guatemala e do México, o autor confessa no prefácio. "Quando comecei este trabalho, em 1977, depois de alguns anos de peripécias pela Europa e Africa, meu único desejo era voltar à terra bem-amada, a esta América Latina tao cara e profunda, ao meu rincao brasileiro que um exílio um pouco forçado me obrigou a dele se afastar", escreve o autor.
Foram sete anos de trabalho enfronhados entre "as imensas montanhas verdes e encarnadas", em suas palavras, uma saga através das guerras inacabadas, feitas por camponeses e mineiros legendários, quase fantasmas revolucionários; através do indescritível misticismo do sertao, com seus homens encourados e sua luta ferrenha pela sobrevivência nestas terras tao pobres.
Pela data da pesquisa, os mais próximos da obra de Salgado já devem ter-se dado conta de que a produçao desse trabalho cruza com a feitura de "Terra". Nao por acaso, 12 imagens reproduzidas naquele livro estao em "Outras Américas". Embora a cronologia da publicaçao dê uma idéia contrária, a dúzia de fotografias foi criada dentro do projeto latino-americano ou, como Alan Riding define no prefácio, "do mundo dos destituídos, daqueles que os desertos e serras desoladas da América Latina observam enquanto seus países mudam". Mas acabaram sendo publicadas antes em "Terra", proximidade de temas.
O abandono, a força das famílias e clas, a morte, a pobreza e a espiritualidade sao o foco das imagens de "Outras Américas". O céu andino e o chao sertanejo, alguns dos cenários. Dois planos captado por Salgado que acabam por unir-se num terceiro. Os homens e seu chao sao, entao, um único plano de luz e sombra, vazio e relevo, tristeza e fé, comunhao e isolamento, alegoria e fato.
Salgado, que nao quis dar entrevistas antes do lançamento, falará hoje à noite sobre a criaçao de "Outras Américas" durante o lançamento do livro (reservas para participar da palestra podem ser feitas pelo telefone (011) 867-0022).
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