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Desvalorizaçao do real paralisa mercado de arte
Do Diário do Grande ABC
03/02/1999 | 16:29
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A crise do real já chegou às galerias de arte e, mesmo com a baixa do dólar, nao parece próxima do fim para quem vende arte. O mercado está parado. Ninguém compra, ninguém vende, nem mesmo mestres modernos como Guignard, Pancetti ou Volpi, que têm liquidez certa. O marchand Raul Forbes, que já foi dono do Abaporu de Tarsila, fechou as portas de sua galeria e nao deve reabrir tao cedo o negócio. De qualquer modo, nao demonstra pessimismo. Acha que o mercado tem recuperaçao quando o dólar chegar a um patamar aceitável após a dança das cadeiras no Banco Central, algo em torno de US$ 1,45. A cotaçao do dólar, garante Forbes, vai continuar descendo a ladeira.

Forbes tem experiência. Passou 30 anos na bolsa antes de virar galerista e vender há quatro anos a tela Abaporu ao colecionador argentino Eduardo Costantini, por US$ 1,5 milhao. "Todo mundo sabe que um Guignard vale US$ 150 mil, mas ninguém compra ou vende porque nao sabe que dólar é esse", exemplifica, para justificar a paralisaçao do mercado. Nem mesmo a ameaça do confisco fez com que o dinheiro retirado dos fundos de investimento migrasse para o mercado de arte.

Outro grande vendedor de quadros de mestres modernos, muito conhecido, foi visto um dia desses procurando imóveis no lugar de telas dos mestres, sinal de evidente declínio nas vendas. "Estes últimos meses foram muito ruins para o mercado", garante Forbes. Outros galeristas confirmam a observaçao, como a marchande Regina Boni, proprietária da Galeria Sao Paulo, que passou o mês de janeiro inteiro sem fazer uma única venda. Regina Boni já pensa em baixar os preços para compensar o período de baixa maré.

É certo que as cotaçoes ainda sao tao irreais quanto o próprio real, mas os clientes estao aproveitando a oportunidade para pedir descontos, revela outra galerista, Valu Oria. "Tenho poucas obras em dólar à venda, até mesmo por convicçao, porque acho que o artista brasileiro tem de vender em real", diz, lembrando que "a época do Sarney, da dolarizaçao, já passou". Mesmo assim, o caso de artistas consagrados ou mortos exige outra abordagem. Pancetti, Bonadei ou Guignard sao mesmo vendidos em dólar.

"Em casos especiais, resolvi fixar o dólar em US$ 1,30 e negociar nessa base", revela Valu, que trabalha mais com artistas jovens e só excepcionalmente negocia na faixa dos grandes mestres do passado. "Esse segmento está parado, mas a faixa que atendo, nao de investidores, mas de colecionadores de arte contemporânea, nao pensa em comprar arte como investimento, mas porque gosta do artista e acha que este é um bom momento para pedir desconto".

A marchande Miriam Cohn, mulher do galerista Thomas Cohn, lembra que esta época do ano é tradicionalmente fraca para o mercado de arte, o que torna impossível fazer projeçoes com base na recente desvalorizaçao do real, que já havia perdido mais de 40% de seu valor em relaçao ao dólar após 11 dias úteis de flutuaçao livre. Nem mesmo o pânico de sexta-feira, provocado por boatos de confisco e moratória, serviu para atrair clientes. As galerias continuaram vazias.

"Depois de um tempo o mercado se recupera", garante Miriam Cohn, que aposta na firmeza da cotaçao de seus artistas, como o pintor Daniel Senise, que está com uma exposiçao aberta em Nova York. "Ele já tem cotaçao internacional, entre US$ 15 mil e US$ 20 mil por tela, o que ajuda as vendas aqui", lembra.

De olho no mercado externo, a marchande Luisa Strina está levando obras de Edgard de Souza para a Arco, uma feira de arte contemporânea que será aberta no dia 9, em Madri. Segundo Luisa Strina, a crise do real nao afetou as cotaçoes de artistas contemporâneos reconhecidos no exterior, como Antônio Dias, Cildo Meireles ou Tunga. Este último foi o mais valorizado nos dois últimos anos. Hoje, segundo Luisa Strina, uma escultura do artista carioca que custava US$ 10 mil pode alcançar até US$ 60 mil, cotaçao que ultrapassa em até três vezes o preço de obras assinadas por artistas veteranos como Baravelli ou Sérgio Ferro (na faixa de US$ 20 mil), ou duas vezes a de um escultor como José Resende, que já representou o Brasil em mostras internacionais como a Documenta de Kassel, na Alemanha.

"Estávamos vivendo um sonho", reconhece a marchande Regina Boni. "Agora vamos ter de nos ajustar à realidade", conclui. E a realidade é que os preços podem cair pela metade, porque também essas cotaçoes sao arbitrárias. Por melhor que sejam artistas como o pintor Antônio Dias, reconhecido por críticos internacionais, nao tem a liquidez de um Jasper Johns.

Antônio Dias, obviamente, nao perdeu o crédito no mercado europeu, mas quem compra quer ter garantias mínimas de retorno do investimento - e o mercado de arte brasileiro ainda é frágil demais para garantir qualquer coisa, principalmente após os boatos de uma catástrofe financeira. Raul Forbes, que fechou a sua galeria em dezembro por tempo indeterminado, pensa numa possível reabertura, mas revela que recebeu poucas consultas de investidores no período. Viajou para fora, mas, antes de embarcar, ainda recebeu propostas. Quase indecentes, evoque-se. "Todos queriam comprar na bacia das almas, com 30% de desconto e pagamento em sete meses".




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