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Teatro: minifestival confronta realidade do Brasil e da Dinamarca
Do Diário do Grande ABC
21/06/2000 | 15:18
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Sonhos e conflitos de adolescentes sao encarados seriamente no Centro Cultural Elenko - KVA. Organizaçao nao-governamental fundada há três anos com o objetivo de estimular a criaçao artística entre jovens de 13 e 19 anos, o KVA promove pela primeira vez um intercâmbio internacional de espetáculo teatrais criados por adolescentes.

Nesta quinta (22), serao apresentados no KVA os espetáculos "Esquina Brasil" (às 17 horas), criado pelo grupo Submundo, do Centro Cultural Monte Azul, localizado na periferia; e "Volven", do grupo dinamarquês Ragnarock, às 20 horas. O evento vai oferecer ao público interessado - estudantes, professores e artistas - uma oportunidade única de investigaçao do universo desses jovens. "Prato do Dia", criado pelo grupo de jovens de classe média do KVA, será a atraçao de sexta-feira às 17 horas.

Como todos os espetáculos foram criados a partir de improvisaçoes sobre temas que afligem os adolescentes, o espectador poderá detectar diferenças e semelhanças entre ambiçoes e problemas que atingem jovens de diferentes classes sociais e, no caso da Dinamarca, de uma outra cultura. "Em Prato do Dia", há espaço para o humor, por exemplo, na cena em que os atores do KVA recriaram problemas como o peso das mochilas na ida ao colégio e a deficiência dos meios de transportes coletivos, utilizados com freqüência por quem ainda nao tem a ambicionada "carta", a licença para dirigir.

Mas nem tudo é tao "leve" no cotidiano desses adolescentes. "A violência urbana é uma preocupaçao constante" diz Rosana Seligmann, que divide a direçao do espetáculo com Christian Duurvoort. "O ponto de partida para a inspiraçao do espetáculo foram as fotos de Sebastiao Salgado expostas no Sesc Pompéia", esclarece. "O medo de sair à noite é comum a todos" diz. "Quando os pais deixam, o que nem sempre ocorre, sao eles próprios que temem pegar ônibus tarde, na volta de um programa".

Os atores do KVA ainda abrem espaço no espetáculo para refletir sobre a educaçao no Brasil. "Em algumas cenas eles questionam qual o papel da escola em suas vidas, qual a real contribuiçao do aprendizado escolar em seu desenvolvimento como cidadaos". Também criado a partir das experiências pessoais dos atores do grupo Submundo - integrado por dez atores cujas idades variam entre 13 e 18 anos -, o espetáculo "Esquina Brasil" mostra um dia-a-dia bem mais barra-pesada.

"Nao ter o direito de escolher uma profissao, seja ela a de ator ou técnico de informática porque nao há dinheiro nem tempo para a formaçao é uma das principais angústias dos adolescentes da periferia. "E os pais cobram cedo o trabalho dos filhos, porque precisam desse apoio", diz o diretor Gil Marçal, de 21 anos. O ensino também é abordado pela turma do Centro Cultural Monte Azul. "A galera aqui sente que está sempre atrasada no que diz respeito ao ensino", comenta Marçal.

"Depois de muito esforço, quando um número maior de jovens está conseguindo terminar o colegial, isso nao serve mais; atualmente, para ser alguém é preciso terminar uma faculdade e ainda ter um mestrado", diz. "O eixo central de "Esquina Brasil" sao as manifestaçoes sociais", explica Marçal. Tudo começa quando um garoto reúne os amigos para buscar uma soluçao para a falta de comida em sua casa no dia do aniversário de sua mae. Juntos, decidem fundar o MSCB, o movimento dos sem-cestas básicas e fazer uma manifestaçao em frente do fictício "Ministério da Comida".

A partir daí, a discussao se amplia e eles descobrem nao precisar "só de comida", porém "comida, diversao e arte". Chama a atençao a soluçao encontrada por um dos manifestantes para conseguir dinheiro para a organizaçao. "Ele seqüestra uma turca endinheirada", diz Marçal. A violência é uma atitude isolada e, ao fim, amenizada na peça quando a turca acaba aderindo à causa. Mas o rumo dos acontecimentos muda radicalmente quando uma tragédia atinge o grupo.

Dirigido por Joachim Clausen - ator do Odin Theatre criado por Eugenio Barba - o Ragnarock tem vários espetáculos em seu repertório. "Volven", o escolhido para vir ao Brasil, tem uma linguagem centrada na expressao corporal e na música e inspira-se na mitologia nórdica. "'Volven' é uma mulher forte, que tem a capacidade de ver o futuro", diz Ursula Gudmundsen-Holmgreen, produtora do grupo e mae de uma das atrizes.

A viagem, patrocinada pelo governo da Dinamarca, vai estender-se a Santo André, onde o grupo apresenta "Volven" no sábado, na Escola Livre de Teatro de Santo André, e à Bahia, para onde os atores vao viajar num ônibus especialmente fretado. O desejo dos adolescentes dinamarqueses - com idade entre 13 e 19 anos - é apresentar o espetáculo no sertao brasileiro.

Segundo Ursula, as angústias dos adolescentes dinamarqueses mudaram radicalmente nos últimos tempos. "Há dez anos, o desemprego era um problema para os jovens", afirma. A drástica reduçao dos nascimentos e o crescimento econômico contribuíram para eliminar o fantasma do desemprego. "Hoje, os jovens sao minoria no país e a maior angústia é a escolha de uma profissao".




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