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Sonhos, anseios e lixo são tema de espetáculo em Sto.André
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
09/12/2002 | 18:41
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Muribeca – Onde Todos se Encontram... No Lixão é o espetáculo produzido pelo Centro de Dança de Santo André que estréia nesta terça, no Teatro Municipal de Santo André. Concebida e dirigida por Luis Ferron, a montagem coloca em cena 15 atores e bailarinos, além de cinco músicos e o coreógrafo e violinista o Ruslan Gawriljuk, que faz participação especial, somente nesta quarta.   

A montagem é inspirada num conto do livro Angu de Sangue, de Marcelino Freire. O conto fala sobre Muribeca, uma catadora de lixo. “Aproveitamos o texto do livro e espalhamos trechos pelo espetáculo. Também há textos meus e da pesquisa desenvolvida pela (atriz que interpreta Muribeca) Andréia de Almeida”, diz Ferron.   

“A temática de Muribeca é forte, mas damos a ela um tratamento leve, ela é diluída na comicidade. Pegamos a linha irônica para trabalhar o sério”, afirma Ferron. Muribeca é um balé com dramaticidade, na linguagem da dança-teatro da alemã Pina Bausch, que certa vez declarou: “Não estou interessada em como as pessoas se movem, mas no que as move”.  

 “É dança-teatro porque quebra padrões da dança pura. Muribeca beira a dinâmica de cena do teatro físico”, diz Ferron. Apenas tangencia, sem entrar nessa seara, porque a presença de elementos coreográficos e ferramentas da dança deixam o espetáculo no campo da dança-teatro.   

A Muribeca que Andréia de Almeida interpreta é “uma personagem multifacetada”: “Tem desejos, sonhos, paquera, é religiosa, fraternal. Em alguns momentos é frágil e em outros, forte”. Para ela, Muribeca se coloca como um “desafio artístico”. “Falamos sobre um tema pesado de maneira leve, com lirismo e humor. O lixão (aterro sanitário) é uma metáfora para o lixo do mundo”, afirma.   

Andréia conta que já viu “muitas Muribecas”: “Dei aula de circo-teatro para crianças carentes de São Bernardo e conheci as mães delas. Quando na Cia. Do Feijão, em pesquisa de campo, freqüentei um cortiço em São Paulo”. “Falar desse tema nos dá a responsabilidade de deixar o mundo mais bonito, colocar beleza em qualquer canto.”   

Uma evidente preocupação social, portanto, marca Muribeca. “O próprio texto aborda a importância do lixão, de onde pessoas tiram seu sustento. Apesar de viverem de forma sub-humana, são pessoas que têm aspirações, vaidades. Muribeca é um dia no lixão”, diz Ferron.   

Ainda assim, o espetáculo não tem um tom de denúncia. “A realidade está implícita”, afirma Ferron. “Em Muribeca, não estamos contando uma história, e sim gerando sensações num estado cênico. Se o público for extremamente cognitivo, perde o espetáculo. Se ficar num estado de contemplação, ganha mais.”   

Na cenografia, muito jornal. “Haverá jornal espalhado pelo teatro inteiro. Quero que o público se sinta incomodado pela sujeira”, afirma Ferron. Cada intérprete criou seu próprio figurino, de base realista. A trilha sonora é eclética. Compositores eruditos como Camille Saint-Saens se misturam à música de cunho popular criada pelo grupo, formado a partir de oficina no Centro de Dança de Santo André – Muribeca é o resultado do trabalho desenvolvido dentro da instituição.   

A oficina comandada por Ferron foi baseada em dois pontos: “Consciência de propriocepção, que é a capacidade do indivíduo se reconhecer no espaço, e criação da gestual cênica”. Trabalharam-se, portanto, “a consciência plena do corpo e como desenvolver a arte a partir do movimento”.   

Ferron revela como foi o processo de montagem: “Desenvolvia exercícios físicos com o elenco, ainda sem uma temática levantada, usando jornal, experimentando a sonoridade gerada pelo movimento do bailarino sobre o elemento jornal. O montante de jornal lembrava um lixão, e a Andréia trouxe o texto”. A partir de então, o elenco adotou a idéia. “O trabalho de equipe caracteriza a obra.”  

Muribeca – Onde Todos se Encontram... No Lixão - Dança-Teatro. Concepção e direção de Luis Ferron. Nesta terça e quarta, às 20h. No Teatro Municipal de Santo André - Paço Municipal, s/n, tel.: 4433-0789. Entrada franca.




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