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De salto alto e saia curta
Cristiane Bomfim
Do Diário do Grande ABC
06/01/2007 | 19:06
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Numa das quadras esportivas do parque Celso Daniel, em Santo André, duas equipes se preparam para iniciar a partida de vôlei. Encostado nas grades, o público, ainda modesto acompanha com certa estranheza o aquecimento dos atletas. São 20h30 de uma quinta-feira. Os olhares são desconfiados, de quem não acredita no que vê. Com a bola na mão esquerda e uma bolsa pequena na direita, o travesti Fernanda Brasil, 27 anos, ajeita a saia antes de sacar. “Vai mona, arrasa com este saque”, grita a torcida em coro, quase enlouquecida.

Do lado direito da rede, gays, travestis, drag queens e transformistas montados, ou seja, vestidos com roupas femininas ou encarnando personagens. O time adversário é mais discreto na escolha da roupa, mas os trejeitos e risadas altas explicitam a intenção da partida: “Diminuir o preconceito sofrido pela comunidade GLBTT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais), através de atividades em lugares públicos”, explica o presidente da ONG ABCDS, Marcelo Gil.

Antes de entrar na quadra, os jogadores ocupam por duas horas os vestiários do parque. Das sacolas e pequenas mochilas são tirados os uniformes: minissaias, meias-calças, sapatos plataformas, perucas... “Ah, qual destes modelitos eu uso? Este ou aquele?”, pergunta o transformista Leny Sá, 31 anos, enquanto se contorce para segurar o espelho e se maquiar ao mesmo tempo.

Equilibrado na bota plataforma de 10 centímetros, com roupa colante de vaquinha, com direito a rabo, chifre e tetas leiteiras, Leny é o primeiro a deixar o vestiário.

A segunda a sair do vestiário é Vivi L' Phoser – nome escolhido por Felipe Barsottini, 18 anos. Ela usa roupa estilo adolescente: saia curta pregada, botas na altura do joelho e uma blusinha mostrando a barriga. “Ah, eu posso usar essa roupa, sou magra e alta. Aí fica um arraso”, explica. “UAU! É homem ou mulher?”, pergunta um garoto sem se identificar.

Bem resolvida e sem problemas na família por causa de sua opção sexual, Vivi é minoria dentro de um grupo que sofre preconceito dentro de casa. “Eu sou gay e me comporto como um desde pequeno, mas só aos 11 anos contei para minha mãe. E ela disse que já sabia.” Depois da conversa com os pais, diz que as coisas ficaram mais fáceis. “Não precisava mais fingir.”

Cerca de 150 pessoas aguardam ansiosas a chegada de Xuxa e Sthephanny-s Strypped para completar o time. Em passos acelerados, elas chegam e são saudadas como princesas: “Ah, que formosuras. Vocês estão divinas hoje!”, gritam as amigas.

A Xuxa é Felipe Escouto, 22 anos. A escolha pela personagem remete à infância. “A rainha dos baixinhos sempre foi meu ídolo. Coleciono tudo dela e me vestir assim é uma homenagem”, explica. Felipe é um garoto carinhoso, de fala mansa e comunicativo. Nunca teve uma conversa com os pais sobre sua homossexualidade por achar que ainda não está preparado. “Também não sei como a minha mãe reagiria.” <EM>Sthephanny-s Strypped nunca gostou de futebol. Apesar do apoio da família, se magoa com os olhares preconceituosos e as piadas sem graça que ouve. “Na minha rua, todo mundo sabe que eu sou gay. Os filhos são meus colegas e os pais deles me criticam”, conta.

Times completos a caminho da quadra. Antes do início do jogo, todos se juntam para uma foto. Depois se dividem e ocupam suas posições. O juiz apita e Fernanda Brasil saca para fora. Como ninguém quer quebrar a unha, a bola é quase uma ameaça. Vinte minutos depois de iniciarem o jogo, todas estão esbaforidas. “Vamos parar por aqui pessoal.” Hora do piquenique ou pique-night. O público bate palmas.




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