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Romeu e Julieta em favela carioca
04/04/2008 | 07:13
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Como reciclar Shakespeare na favela? A resposta de Lúcia Murat foi encenar o amor difícil entre uma rapaz e uma moça, filhos de facções rivais do tráfico de drogas. Maré, Nossa História de Amor, que estréia hoje no Grande ABC e na Capital, remonta, pois, a uma tradição que vem dos anos 1950, quando Vinicius de Moraes teve a sacada de levar o mito grego ao morro e, da idéia, escreveu a peça Orfeu da Conceição, com músicas de Tom Jobim e Luiz Bonfá. A peça depois foi levada ao cinema pelo francês Marcel Camus que, com seu Orfeu Negro, ganhou o Oscar de filme estrangeiro e fez sucesso mundial.

 Desde os anos 1950, e até antes de Orfeu da Conceição, o morro tem sido um ambiente preferencial para criação de histórias. Há quem desqualifique a opção com o argumento de que o cinema brasileiro aposta numa espécie de estética da pobreza. Pobre é o comentário.

 Acontece que o morro e o sertão foram, sobretudo nos anos 1960, locações preferenciais para o cinema mais consistente que se fazia no País, justamente por expressarem com mais clareza as contradições da sociedade brasileira. Essa opção foi resgatada na fase contemporânea da retomada do cinema brasileiro, mas já sob outra ótica, pois os tempos são outros.

 Assim, as condições de vida nos morros, descritas pelos cineastas dos anos 1950 e 1960 podem ser vistas como amenas e até ‘românticas’. Agora, o que se tem é a dura realidade do tráfico e da violência sem medidas. O tempo está mais para Tropa de Elite e Cidade de Deus. É nesse âmbito que entra Maré, uma tentativa de reciclar Romeu e Julieta na favela carioca. Cristina Lago e Vinicius D’Black são os intérpretes dos envolvidos nesse caso de amor difícil, porque são filhos de famílias rivais. Apenas que esses Montecchio e Capuletto contemporâneos se ocupam do tráfico de drogas e não de outra coisa.

 Com roteiro de Paulo Lins, autor de Cidade de Deus (adaptado para o cinema por Fernando Meirelles), Maré procura contar a sua história e, ao mesmo tempo, ser um musical e filme de dança. Alguns números são inspirados, mas a mescla de gêneros não funciona de todo. E, sobretudo, não funciona o tempo todo.

 Analidia (Cristina Lago) e Jonathan (D’Black) talvez não consigam fazer dos seus personagens tipos carismáticos. Há também uma estrutura de filme que não os ajuda. Sentimos no projeto uma sincera vontade de construir em terreno árido, o que não parece suficiente para conduzir o público a uma maior identificação com os personagens e com a história.

 Lucia obteve resultado melhor com Quase Dois Irmãos, seu trabalho anterior. E, no fundo, há uma preocupação semelhante nos dois filmes. Trata-se de ver o que há de comum, e por outro lado, de irremediavelmente cindido na atual sociedade de classes brasileira. O que nos une e o que nos separa. Em Maré, no entanto, essa reflexão, em vez de ser aprofundada, se diluiu.



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