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Distribuição de filmes: uma questão matemática
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
03/07/2004 | 17:47
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Nunca se trata de igualdade matemática a distribuição de filmes no circuito comercial de cinema no Brasil. Quando reduzida então ao cosmo exibidor do Grande ABC, nem Pitágoras e Thales de Mileto unidos em congresso explicariam a desproporção que há entre o total de salas e a quantidade de longas-metragens exibidos atualmente. Nesta semana em que Homem-Aranha 2 arrendou nada menos que 17 das 35 salas da região – recorde absoluto de estréia no Grande ABC, que desbancou a marca anterior, de 16 salas, pertencente a A Paixão de Cristo –, a variedade restringiu-se a 13 filmes exibidos no Grande ABC. Desconte dessa conta a única sala do Cine Popular, campeã na categoria sortimento com cinco filmes projetados diariamente: sobram 34 salas e oito filmes. Ou seja, no Grande ABC, pelo menos nesta semana, cada filme ocupa em média 4,25 salas. A título de comparação: no total de 76 salas comerciais cobertas pelo roteiro de cinema do Diário, que inclui também algumas de São Paulo, estão em cartaz atualmente 36 filmes e cada um ocupa em média 2,11 espaços de projeção.

A matemática, neste caso, não têm nenhum outro préstimo senão corroborar a conclusão mais óbvia no tocante ao mercado exibidor: os blockbusters norte-americanos são os mandantes do jogo. Se não é Homem-Aranha 2, é Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban que se transfigura em artifício de hegemonia; se não forem nem o herói aracnídeo nem o bruxo imberbe, será algo na linha O Dia Depois de Amanhã. “Assim não é possível. Fui tentar ver um filme decente aqui (em São Bernardo) semana passada e tem ‘500 salas’ passando a mesma coisa”, diz Vebis Jr., cinéfilo e cineasta de São Bernardo. “É decepcionante saber que um filme como Diários de Motocicleta (de Walter Salles) ou Filme de Amor (de Júlio Bressane), que venceu o importante Festival de Brasília, não chegam ao Grande ABC. Tenho sempre de ir a São Paulo”.

A questão não se limita a nacionalidades. Longas dos Estados Unidos também são eventualmente ignorados pelo mercado na região. Vide os casos de Sobre Meninos e Lobos (de Clint Eastwood) ou Encontros e Desencontros (de Sofia Coppola), ambos norte-americanos e ambos irrigados por rigores ou ousadias que diferem do modelo hollywoodiano, ou até mesmo Matadores de Velhinha, comédia boba dos superestimados irmãos Coen, que passaram em brancas nuvens.

Os exibidores têm suas próprias limitações, condicionadas a questões econômicas. “São dois os pontos importantes que temos de observar quando se fala nos filmes que vão entrar ou não em determinada posição (sinônimo de sala no mercado exibidor): um é a disponibilidade de salas para aquela semana em que determinado filme vai estrear e o outro é o número de cópias, uma decisão exclusiva do distribuidor, pensado para determinada região”, diz Ricardo Szperling, diretor de programação da rede Cinemark, que controla 19 salas do Grande ABC – dez no ABC Plaza e nove no Extra Anchieta.

O critério para medição do sucesso de um filme, ao menos nos complexos Cinemark, está na freqüência do público, calculada a partir da divisão do total anual de espectadores em cada sala pelas 52 semanas do ano. Caso o filme em cartaz não alcance essa média, é tirado de circulação ou remanejado para um outro horário. O potencial dos filmes de fazerem público tem como parâmetros a performance pregressa de seu diretor ou de seus atores no circuito, ou a recepção de cada praça a determinada cinematografia etc.

Off-Hollywood – Ninguém sobrevive de abnegação, já dizia o poeta. Contudo, existem alternativas para o cinema que tem na bilheteria um de seus principais atores. E a maioria esmagadora delas deve a existência ao setor público.

Em Santo André, o Cine-Teatro Carlos Gomes saiu temporariamente de cena e passou a vaga de núcleo exibidor ao auditório do Paço Municipal. A razão do câmbio é econômica. “Transferimos porque anda difícil conseguir filmes em 35mm (formato de projeção) sem que nos cobrem aluguel. E nossa política é sempre trabalhar com filmes cedidos gratuitamente para que possamos não cobrar ingresso”, afirma Rogério Corrêa, coordenador da programação de cinema da cidade, que pretende prosseguir até o fim do ano com mostras de filmes alemães – entre os quais obras de Werner Herzog, Rainer Werner Fassbinder e Alexander Kluge –, obtidos junto ao Instituto Goethe. O aluguel das cópias de filmes para exibição nessas ocasiões costuma flutuar entre R$ 500 e R$ 1,5 mil.




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