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Sandra Cinto
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
27/10/2006 | 21:02
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Sandra Cinto conclui uma jornada heróica ao lançar seu primeiro livro, Construção (Dardo, 184 págs., R$ 50). O heroismo é editar e publicar um livro de arte no Brasil, façanha em que qualquer resultado de excelência exige esforço não menor que o hercúleo. A artista plástica andreense reuniu amigos para uma soma de esforços que resultou na obra sobre sua carreira. Outro objetivo era tornar palpável a questão da arte acessível. O preço é menos amargo do que o dobro ou triplo da média de obras do gênero. Pode ser encontrado na galeria Casa Triângulo, em São Paulo, que representa a artista. A primeira edição tem tiragem de 2 mil exemplares.

Sandra foi fundamental na publicação. A jovem artista de 38 anos começou a produzir em 1990 em Santo André e desde então embarcou em um processo de ascensão artística que pode ser resumida em participações em mostras individuais e em importantes coletivas, caso das bienais Arco, na Espanha, desde 1997, e na 24ª Bienal de São Paulo, em 1998.

O livro pode ser considerado também uma obra de Sandra Cinto, que comandou uma “ação entre amigos”. “Eu fiz do meu jeito. Determinei as imagens, escolhi os autores entre pessoas que me acompanham desde o início, trabalhei com jovens dispostos a mostrar serviço, achei um tradutor pelo preço que podia pagar e com qualidade, mas foi difícil. Aprendi que fazer um livro de arte é possível, mas não é fácil. Tudo precisa de muito cuidado”.

Sandra permutou o trabalho da equipe com obras suas, evitou o uso de capa dura, que encareceria a publicação, e optou por papel tipo pólen, barato, mas de boa qualidade. Outra parceira foi a editora espanhola Dardo, empresa que demonstra interesse em editar obras de artistas brasileiros.

A artista gostou da experiência de editora. “Se não fosse meu trabalho em arte acho que trilharia o caminho de editora independente. Por enquanto, penso em produzir mais livros, talvez um sobre meus desenhos”.

A arte de Sandra é azul, e todos os tons deste. Em sua mostra individual mais recente, Construção, a artista mergulhou no infinito com esta cor. O céu noturno e as estrelas prateadas deram lugar a vários tons de azul e verde-água, com desenhos de estrelas douradas. É como se a artista buscasse o início dos tempos, voltando ao próprio início de carreira, quando o monocromático imperava em seus desenhos. O abismo azul recria a Criação, sugerindo nova aliança com os mistérios do céu, cósmicos ou divinos.

Para esse resultado, Sandra foi tocada, ou iluminada, pela arte italiana que conheceu durante residência temporária na Úmbria, em 2005. A visão dos afrescos de Giotto ascendeu suas estrelas e a busca, na simbologia das imagens, por verdades místicas. Na mesma Construção, Sandra mostrou objetos que reproduziam seu ateliê, outra maneira de reinterpretar as construções do cotidiano.

Esculturas e objetos integram o universo criativo da artista, e obras públicas são uma vertente de seu trabalho. Em ferro e concreto, ela criou na praça do Bonfim, no Parque das Nações, em Santo André, esculturas com referências a peças de brinquedos posicionadas diante de uma escola municipal.

Descanso e descaso – Há uma cama, escultura freqüente na carreira da artista. Ao contrário do sono noturno, a proposta é uma pausa para a reflexão. A cama em bronze, com pés de livros, em frente ao Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, pode até ser lugar de descanso, mas também lembra que muitos dormem nas calçadas.

O viés político e social da obra de Sandra aparece ainda nos artigos no livro, em português e inglês, junto com o inventário da memória de seus objetos (camas, mesas, cadeiras) e as metáforas metafísicas de seus desenhos. Assinam os críticos de arte Paulo Reis, Angelica de Moraes, Marcos Moraes, a curadora-chefe do The Rose Art Museum of Brandeis University, Raphaela Platow e o curador Adriano Pedrosa.

As primeiras imagens do livro são da última exposição, vista em 2006 na Casa Triângulo; a imagem derradeira é da primeira obra, mostrada em 1990 no salão de exposições do Paço Municipal de Santo André, feita como trabalho de conclusão do curso de graduação em Artes nas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila. O livro é eterno religar da artista, do início ao recomeço.




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