População que vive nesses territórios aumentou 13% e passou de 413 mil para 470 mil em 12 anos; fatores econômicos e políticos são causas
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Em 12 anos, o número de comunidades no Grande ABC cresceu 37% e passou de 254 áreas para 350, segundo dados do Censo 2022. Mauá foi o município que registrou a maior alta no período, de 71% – em 2010 eram 35 comunidades, número que passou para 60 em 2022. Diadema é a cidade que tem a maior concentração de favelas da região, com 109 no total – antes eram 101.
Há 12 anos, Rio Grande da Serra não registrava nenhuma comunidade, mas em 2022 o Censo contabilizou sete áreas. São Bernardo também registrou um crescimento expressivo, de 62%, e chegou a 94 favelas, contra 58 em 2010. No Brasil, o número de comunidades dobrou e passou de 6.329 para 12.348, distribuídas em 656 municípios.
Com o aumento de favelas, o número de pessoas que vivem nessas áreas também apresentou alta. Em 12 anos, houve aumento de 56.970 indivíduos em comunidades da região. O total de moradores chegou a quase meio milhão, com 470.472, enquanto em 2010 eram 413.502 (aumento de 14%). São Bernardo (158.274) e Mauá (115.274) são as cidades do Grande ABC com mais pessoas residindo nesses locais.
Sem conseguir arcar com o aluguel no bairro Eldorado, em Diadema, a técnica de enfermagem Shirley dos Anjos Moreira, 45 anos, foi uma das pessoas que passaram a viver em favelas da região nos últimos anos. Em 2020, ela se mudou para a comunidade da Biquinha, em uma casa de dois cômodos.
O aspecto financeiro foi o principal fator na decisão de Shirley, já que agora ela não paga mais aluguel – a casa na favela foi comprada por R$ 27 mil, com economias e valores do seu FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Ela está construindo mais cômodos no terreno.
“Existem 10% da população que têm dinheiro e 90% que vivem com o que sobrou. É muito pouco para cada um. Com um salário mínimo não tem como bancar aluguel, mercado e outras contas básicas para sobreviver”, pontua a técnica de enfermagem.</CW>
Com a economia de R$ 800 na habitação, Shirley ingressou na faculdade e cursa atualmente o terceiro ano de direito. Ela também comprou uma moto, que a ajuda na locomoção até seu trabalho, na Capital, e conseguiu adquirir eletrodomésticos novos, como fogão e máquina de lavar, itens que não conseguia comprar antes devido à sua condição financeira.
“Depois que me mudei, a minha qualidade de vida melhorou muito, a alimentação mudou e agora consigo ajudar financeiramente meus quatro netos. Na favela não tem IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), as contas de água e energia são reduzidas, então para um trabalhador de nível mediano como nós isso faz muita diferença. Os valores dos imóveis estão exorbitantes, mesmo um lugar pequeno, não está dando para pagar (aluguel)”, diz.
Sobre as principais dificuldades de morar em uma comunidade, ela cita principalmente o incômodo com o barulho, mas ressalta a segurança da área e o senso de pertencimento e coletividade entre os moradores.
A professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisadora do Cefavela (Centro de Estudos da Favela), Flávia Feitosa, explica que o aumento no número das favelas nos últimos anos evidencia que para uma parcela expressiva da população da região o acesso à moradia no mercado formal se tornou financeiramente inviável, levando muitas pessoas a recorrerem a alternativas informais para suprir suas necessidades habitacionais.
“Esse fenômeno resulta de uma combinação de fatores sociais, econômicos e políticos, que se intensificaram durante a pandemia. Entre os motivos está uma crise econômica que atingiu principalmente os mais pobres, cuja renda sofreu uma queda média de 2% ao ano entre 2016 e 2021. Além disso, o Brasil atravessou um período de instabilidade política marcado pela desarticulação de programas habitacionais e pela drástica redução de investimentos e financiamentos para habitação de interesse social”, destaca Flávia.
Além disso, a pesquisadora ressalta a metodologia utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nos Censos 2010 e 2022. Para a docente, houve uma melhoria significativa na qualidade dos dados coletados entre os dois levantamentos e, por causa desses avanços, mais favelas foram mapeadas no último recenseamento demográfico. Outra importante consideração é que, além do aumento de comunidades mapeadas, algumas dessas novas favelas registradas já existiam em 2010, porém não teriam sido identificadas na época.
As 350 favelas do Grande ABC representam 17,7 km² da área dos sete municípios. Mauá é o município com a maior cobertura territorial composta por comunidades, com 5,87 km², seguida por São Bernardo, com 5,29 km². A docente da UFABC Flávia Feitosa diz que para a ocupação das favelas não existe um limite de saturação formal, pois a demanda habitacional tende a manter o crescimento desses territórios de forma cada vez mais adensada e verticalizada – o que acaba também intensificando as condições de precariedade das áreas.
“Ocorre um aumento da ocupação de áreas residuais, de risco e de preservação ambiental, o que exacerba os riscos socioambientais e amplia a vulnerabilidade da população residente. São territórios que necessitam, portanto, de financiamento direcionado para melhorar as condições de vida de seus residentes”, disse a especialista, que ainda complementa apontando a necessidade de ampliar políticas públicas nessas áreas.
“A prioridade para estes espaços deve ser a urbanização, voltada à promoção da integração urbana e social. Isso inclui uma séria de ações, como a melhoria da infraestrutura, como saneamento, pavimentação e transporte, tratamento de situações de risco, além da expansão do acesso a serviços públicos essenciais como educação, saúde e lazer”, finaliza a pesquisadora.
Diferentemente do total de moradores do Grande ABC, onde as pessoas brancas são maioria (53,2%) entre os 2,6 milhões de habitantes, a população negra predomina nas favelas, com 61%. Segundo dados do Censo 2022, dos 470.472 indivíduos que vivem nas 350 comunidades da região, 11% se autodeclaram pretos e 50%, pardos.
Nas favelas brasileiras, a presença de brancos é menor que a proporção na população geral, em que as pessoas pardas representam 45,3% de habitantes, enquanto os moradores pretos são 10,2% – juntos, somam 55,5%. Contando só as favelas do País, os pretos são 16,1%, e os pardos, 56,8% – somados, alcançam 72,9%.
Além do recorte racial, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) também analisa o índice de envelhecimento da população nas comunidades. A base de comparação é o número de pessoas com 60 anos ou mais em relação a um grupo de 100 crianças de 0 a 14 anos.
Enquanto no Grande ABC, o índice é de 69,2 idosos para cada 100 crianças, nas favelas o número é inferior, de 46,6 pessoas mais velhas para cada 100 menores. A idade média dos moradores de comunidades é de 31 anos.
Na comparação por gênero, as mulheres predominam tanto em geral nos sete municípios quanto nas comunidades. A razão de número de homens em relação ao grupo de 100 mulheres, em 2022 era 95 homens para cada 100 mulheres nas favelas da região. Já no Grande ABC, o número é um pouco menor, sendo 90 para cada 100.
Em relação às pessoas alfabetizadas, a taxa dos moradores de comunidades é inferior à do Grande ABC. O índice nas comunidades é de 94,7%, enquanto na região, considerando todos os territórios, é de 97%.
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