Biólogo publica estudo nas revistas ‘Science’ e ‘Nature’ que explica os fatores que estimulam agressividade de serpentes e causam acidentes
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Os acidentes com mordidas de serpentes são considerados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) um problema de alta emergência nos países tropicais. Para entender melhor quais fatores biológicos e ambientais estimulam a agressividade desses animais, o biólogo andreense João Miguel Alves Nunes, 26 anos, ex-aluno da Etec (Escola Técnica Estadual) Julio de Mesquita, pisou 40.480 vezes em 116 jararacas para analisar os padrões de comportamento. A partir dessa pesquisa de mestrado, realizada nos laboratórios do Instituto Butantan, ele afirma que é possível prever locais, horários e temperaturas que favorecem a incidência dos ataques. Os resultados foram publicados nas revistas científicas Science e Nature.
“A abordagem era para chegar o mais próximo possível de um encontro acidental entre homem e serpente. Eu vestia uma bota de proteção e me aproximava, pisando 30 vezes levemente no corpo do animal e outras 30 vezes perto dele. Fazia isso de manhã, de tarde, de noite, com diferentes temperaturas e estímulos.”
De acordo com Nunes, o estudo consegue ajudar o governo do Estado a fazer a distribuição do soro antiofídico, utilizado para neutralizar o veneno de serpentes, de forma mais assertiva. Também ajuda a população a saber quais são os melhores horários para fazer trilhas, evitando que as taxas de mordida continuem altas.
Nunes concluiu que as jararacas ficam mais agressivas no período da manhã e quando o ambiente é mais quente. Em relação às características biológicas dos animais, as que mais atacam são as menores, fêmeas e filhotes. “Quanto maior a temperatura, mais agressivo o bicho fica. O estudo considera as mudanças climáticas, que afetam a saúde pública. Vimos diferenças de comportamento das jararacas do Planalto e do Litoral de São Paulo, sendo que os maiores casos são no Litoral”, aponta.
Além dos 116 animais, a pesquisa de mestrado de João Nunes possui capítulo específico para análise das cobras recebidas no Hospital Vital Brazil, do Instituto Butantan.
“Coletamos 422 serpentes que picaram pessoas aqui no hospital. Alguns pacientes trazem o bicho morto e depositamos na coleção. Medi cada uma delas e o resultado bateu com o outro estudo, o que confirmou o dado de que quanto menor o animal, mais agressivo ele é”, destaca.
Depois de dois anos com contato direto com as serpentes, João Nunes desenvolveu alergia ao veneno e ao soro. “Evito de manusear e trabalhar com bicho peçonhento hoje em dia, me aposentei dessa parte de pisar nas cobras. Já tive um choque anafilático e o segundo pode ser pior. Agora, fico menos na parte braçal.”
Para o futuro, João Nunes almeja concluir o doutorado, que relaciona o comportamento de jararacas com outras espécies de cobras, e ter o próprio laboratório. “Estamos praticamente fundando uma linha de pesquisa no Brasil sobre o comportamento e ecologia sensorial de serpentes”, comenta. “Quero ser um professor universitário com estudos que possam melhorar o bem-estar da sociedade através do conhecimento científico.”
Grande ABC não dispõe de soro antiofídico
A pesquisa do biólogo andreense João Miguel Alves Nunes, 26, analisa as jararacas presentes no Litoral e no Planalto do Estado de São Paulo. Em relação ao Grande ABC, ele indica que a região tem uma boa representatividade de acidentes por causa de mordidas de cobras, mas fica atrás de cidades como Mogi das Cruzes e Cotia.
“A região mais afetada é o Litoral de São Paulo, principalmente Itanhaém e Santos, que podem fazer divisa com parte de São Bernardo”, pontua o biólogo João Nunes.
“A pesquisa permite saber onde estão os bichos mais agressivos, o que acarreta maior taxa de acidentes. No Grande ABC, nenhum hospital tem o soro antiofídico. Todo paciente das sete cidades é transferido para uma unidade hospitalar maior, em especial ao Instituto Butantan”, declara.
No Estado, o Hospital Vital Brasil, no Butantã, na Capital, é especializado no atendimento a pacientes picados por animais peçonhentos. Quando o paciente não é transferido, o biólogo afirma que o Butantan precisa trazer o soro para a região para que seja possível o atendimento.
“Ao entender a incidência dos casos a partir de cada localidade, conseguimos distribuir melhor o antiofídico para os endereços com maior demanda”, considera João Nunes.
Pesquisador já virou notícia no ‘Diário’ nove anos atrás
Os estudos de João Miguel Alves Nunes, 26, já ganharam destaque no Diário quando ele ainda era um jovem de 17 anos e cursava o Ensino Médio e técnico em Meio Ambiente na Etec Julio de Mesquita, em Santo André. Na ocasião, em agosto de 2015, o estudante tinha produzido um antibiótico a partir do óleo de grama, sendo um dos projetos escolhidos pela instituição para representar o Grande ABC na nona edição da Feira de Profissões da USP (Universidade de São Paulo).
“Quando entrei no técnico em Meio Ambiente, fiquei vidrado na microbiologia, nas possibilidades de lutar contra doenças por meio de medicamentos. Foi na Etec a primeira noção do que era ciência. Fiz um trabalho em que descobri um princípio antibiótico da grama podada dos parques como alternativa para evitar algumas infecções hospitalares. O estudo foi reconhecido, saiu no Diário, fomos premiados em concursos do Estado. Isso acabou me influenciando a continuar estudando.”
A pesquisa com nome de “A grama na ciência é mais verde: ação do óleo extraído de grama como antibiótico natural” deu origem a um medicamento capaz de combater a maioria das infecções por bactérias estafilococos. “Foram seis meses de experimentos iniciais dando errado. Senti vontade de desistir e mudar de projeto. Até que finalmente as coisas começaram a dar certo”, disse o jovem na época.
Agora, nove anos depois, João Nunes reconhece a importância dos profissionais da Etec durante a escolha de qual carreira profissional queria seguir. “Meu professor de biologia, Genoilson de Brito Alves, era mestrado em imunologia e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo). Ele falava muito dos estudos durante as aulas e isso aumentou meu interesse pela área. Foi assim que surgiu a minha vontade de ser um cientista que ajudasse a salvar as pessoas.”
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