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‘Lutamos por Secretarias da Mulher no Grande ABC’, diz ministra
Lays Bento
13/05/2024 | 09:38
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FOTO: Rovena Rosa/Agência Brasil


Cida Gonçalves, ministra das Mulheres do Brasil, contou, em entrevista exclusiva ao Diário, quais as principais aflições em torno do trabalho voltado à igualdade. Um deles, é o incentivo para a criação de Secretarias da Mulher em cada uma das sete cidades da região – apenas Santo André, Mauá e São Caetano possuem Pastas exclusivas.

Desde o Império, esta também é a primeira vez que o feminino recebe a atenção exclusiva em se configurar como um ministério. A responsabilidade de comando hoje é de uma das poucas e nove ministras à frente dos 38 departamentos federais.

Na esfera nacional, a representante do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confessa decepção com os sindicatos patronais da indústria e do comércio, que foram à Justiça contra a equidade salarial de gênero: “Acham que lugar de mulher é na cozinha, lavando e passando”. 

RAIO X

Nome: Aparecida Gonçalves
Idade: 62 anos
Local de nascimento: Clementina, São Paulo; mora em Campo Grande, Mato Grosso
Formação: Publicidade e Propaganda
Hobby: Reunir-se com amigos
Estado civil: Solteira
Local predileto: Casa
Livro que recomenda: Misoginia na Internet: Uma Década de Disputas por Direitos, da advogada Mariana Valente
Personalidade que marcou sua vida: Heleieth Saffioti (socióloga feminista e marxista brasileira)
Profissão: Ministra; publicitária; ativista; consultora em políticas públicas ao gênero e violência contra a mulher
Onde trabalha: Ministério das Mulheres do Governo Federal, em Brasília

Segundo a última pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em um ano, pelo menos 20 milhões de mulheres afirmam ter sofrido algum tipo de violência (verbal, física, sexual ou moral). A gravidade deste dado já é um bom ponto de partida para esta conversa.

Com certeza. Tanto que aqui cabe uma contextuali-zação. Abri minha empresa depois do golpe da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e já tinha ficado 17 anos no ramo político. Quando consegui três contratos com o Banco Mundial, o presidente (Lula, PT) me chamou para ser ministra. Não queria no início e só fui informada, após aceitar, sobre as duas missões mais importantes que recairiam nas minhas mãos. Primeiro, ele me disse: “Eu não quero ser presidente da República de um País onde as mulheres ganham menos que os homens pelo mesmo serviço e função”. Depois de perguntar qual seria o segundo desafio, e ele dizer “eu quero feminicídio (assassinato de mulheres) zero nesse Brasil”, até questionei a ele se poderia desistir de ser ministra. Principalmente porque, se a gente partir para discussões sobre quais são as formas de diminuir o número de feminicídios, por exemplo, retornamos sempre a um ponto em comum: é preciso acabar com as diversas formas de violência. Para isso, é só destruindo o ódio e a intolerância mesmo. E este mal está hoje intrínseco nas ruas; começa nos espaços públicos e assim vai parar dentro de casa.

De fato, o Diário reportou que, no primeiro trimestre deste ano, as denúncias de violência pelo Disque 100 dispararam 45% no Grande ABC. Para além das medidas que já existem, o que mais é necessário para esta realidade mudar?

Há autorização da sociedade para que isso aconteça. Portanto, o que a gente precisa é pegar a raiz de tudo. E por mais que nós, enquanto poder público, possamos fazer a construção de 5.600 Casas da Mulher Brasileira (o País tem 5.570 municípios) como locais de acolhimento, ainda não daremos conta de vencer o feminicídio. Precisamos ter uma atitude da sociedade, isto é: ouviu um grito? Liga no 190! Nós precisamos que as pessoas partam do gesto individual para o coletivo, a fim de que a gente possa fortalecer as políticas. Um dos planos do governo é, dentro do programa Brasil Sem Misoginia (termo atribuído ao ódio e desprezo pelas mulheres), envolver as empresas para mudanças organizacionais que protejam as mulheres. Outra questão ao nível de políticas públicas que trabalharemos é o fortalecimento do uso das tornozeleiras eletrônicas, de modo que o próprio Estado comunique quando o agressor está chegando perto da vítima por um sistema de chip no celular. De resto, a ideia é reforçar mais as Patrulhas Maria da Penha, para justamente acompanhar as medidas protetivas de urgência.

Falando agora de violência obstétrica, recentemente ganharam repercussão estadual casos de negligência a gestantes no Hospital da Mulher de São Bernardo. Como especialista, qual caminho a senhora sugere para este enfrentamento?

Na verdade, a gente está em fase de discussão com a Nísia Trindade (ministra da Saúde) de uma proposta para linha de atuação na saúde integral da mulher. A saúde integrada parte do pressuposto de se acompanhar desde os pré-natais todos os processos da gestação e com isso diminuir a violência obstétrica. O segundo pilar é fortalecer a questão das doulas (acompanhantes para garantir o bem-estar da paciente, em colaboração com os profissionais de saúde). Neste processo e no momento do parto, elas são importantes. Mas antes de tudo, precisamos que a população e as mulheres saibam que isso é um direito. Estes são preceitos que acreditamos que possam diminuir a violência gestacional, que acontece principalmente na hora de dar à luz.

A redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) propôs como tema a invisibilidade do trabalho no ambiente doméstico. Candidatos, na internet, apontaram que o assunto se relacionava com uma dinâmica econômica anterior em que as mulheres tinham pouca participação no mercado de trabalho – hoje elas são 53%, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Como avalia esta questão da invisibilidade atrelada ao protagonismo feminino no mercado de trabalho?

Quando achamos que nossa igualdade e direitos estão conquistados, descobrimos que não. No mercado, para isto, acredito serem necessários dois passos. O primeiro é que, para a mulher ascender profissionalmente, precisamos de mais mulheres em espaços de poder – principalmente nas empresas. Se não restabelecermos a divisão de tarefas entre homens e mulheres dentro de casa, como vamos melhorar as relações organizacionais corporativas e do Estado Brasileiro? Se o País não achar caminhos e respostas para esta pergunta, não vamos dar conta de ter este protagonismo feminino no trabalho. E esta conversa parte não apenas de que um homem tenha iniciativa para lavar a louça ou pegar as crianças na creche, por exemplo, mas de políticas públicas que possam garantir a elas mais tempo. Os serviços públicos deverão ser pensados para que elas façam também o que querem – e por que não isto também pode ser se maquiar ou ver novela? Para se ter ideia, depois daqueles dois desafios atribuídos pelo Lula e que comentei pouco antes, não dormi até tomar posse. Escrevemos (com Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego; e Jorge Messias, advogado-geral da União) a Lei da Igualdade Salarial. Pensei que não era possível que em pleno século XXI, nos lugares em que as mulheres estão e ocupam, haja quem seja contra a igualdade salarial entre homens e mulheres. E então vi que apostei errado na Câmara Federal, quando tivemos 37 votos contrários, dos quais 26 foram de mulheres. Ela foi aprovada pelo Congresso em 90 dias, mas aí vem uma Confederação Nacional da Indústria e uma Confederação Nacional do Comércio e entram com pedido no STF (Supremo Tribunal Federal) de inconstitucionalidade. Imagine: nós temos duas confederações deste País que são contra a igualdade. E aí eles podem dizer que não é bem assim, de que são contra a regulamentação dos relatórios de transparência corporativos. Mas como vamos saber o andamento desta causa se não houve transparência das empresas? Até porque igualdade a gente tem supostamente desde a criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943) e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reafirmou isto. Se eles cumprissem, não precisávamos de nova lei. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), como está hoje, o mundo demorará 300 anos para obter igualdade salarial entre homens e mulheres. A gente não tem tempo para isto! Outro dado da ONU é que a diferença de gênero é estimada em 25% até 2025 e que isto custa US$ 5,8 trilhões, com impacto positivo de mais de US$ 1 trilhão para os empresários. São contra as regulamentações por um simples motivo, na minha avaliação: acham que lugar de mulher é na cozinha, lavando e passando.Mas para este lugar a gente só volta se for por gostar.

A sra. tem abordado em entrevistas a pauta da violência política, sobretudo. Sente que de alguma forma o Ministério das Mulheres é subestimado? Há ligação nesta observação sob a percepção do movimento feminista atual?

É importante o fato do presidente empoderar e ter essa pauta muito forte na vida dele, por acompanhar também a violência que a mãe sofreu. É uma experiência e pauta que o Lula fala a toda hora. Isto não significa que a gente não tenha problemas, a gente tem um orçamento pequeno e muita coisa a consolidar ainda no País. O grande desafio de ter um ministério forte não passa só pela questão de desempoderamento do machismo, mas sim pela capacidade de ter capilaridade e real atuação política. Referente aos movimentos feministas, a gente estava acostumado com o estilo dos anos 1980, mas ainda é hiper atuante em pontas de territórios, principalmente no digital. E é importante que a internet seja segura para as mulheres. Acho que violência nas redes sociais é uma das maiores, principalmente para quem têm mais visibilidade. O ódio não nos matará: se querem nos privar, seremos força.

Cinquenta e dois por cento do Grande ABC é feminino. Esta parcela da região pode aguardar alguma novidade?

Não existe democracia se você não inclui 52% da população. No último compromisso presencial em São Bernardo, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a gente enalteceu a importância de que cada cidade tenha sua Secretaria da Mulher. Cobramos também candidatos a prefeito. Lutamos por Secretarias da Mulher em todo Grande ABC: precisamos que o que passa em Brasília na esfera federal, se cumpra aqui, ao nível municipal. Inclusive, Mauá e Rio Grande da Serra, recentemente, foram incluídas, por exemplo, para receber intervenções em creches no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Seleções.




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