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Está dentro de cada um de nós a semente da paz mundial

Autor pacifista visita o Brasil para divulgar livro que propõe os leitores que ouçam as suas vozes interiores

Evaldo Novelini
04/04/2024 | 09:47
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FOTO: Timeless Today/Divulgação


Se quiser evitar uma guerra mundial, é preciso cultivar primeiro a sua paz interior. Essa foi a síntese da mensagem que o escritor pacifista Prem Rawat, nascido na Índia, passou à plateia que compareceu sábado à tarde, véspera da Páscoa, ao Centro de Convenções Rebouças, na Capital, para assistir à palestra que ele ministrou para falar de seu livro, Ouça a Sua Voz: Como Encontrar Paz em um Mundo Barulhento.

“A paz deve estar na vida de todos. Não é o mundo que precisa de paz, são as pessoas. Quando as pessoas estiverem em paz consigo mesmas, o mundo também estará em paz”, diz Rawat. “Mesmo nos momentos difíceis podemos experimentar a pura alegria. Mas devemos direcionar nossa atenção apenas ao que importa – o que realmente precisamos fazer e o que mais nos satisfaz. Todo o resto é barulho.”

Segundo Rawat, inexiste fórmula para encontrar a paz em um mundo barulhento como o atual. “Não é assim. Quer saber o que é paz? Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que a paz é algo que está dentro de nós. É necessário aceitar isso, entender o que isso significa. Ou você está procurando por um botão mágico?”

As pessoas, de acordo com o palestrante, buscam um número de telefone ou o endereço de um site na internet onde possam encontrar informações sobre como viver em paz. “É preciso compreender que para saciar a fome, é preciso antes plantar, regar, nutrir e deixar florescer. Não se trata de obter o endereço de um restaurante onde se pode ir e encontrar algo para comer. Não está nos livros”, argumenta.

Rawat diz que não basta ler obras que tratem da paz interior, inclusive a sua própria, se o leitor não estiver disposto a pôr os ensinamentos em prática na vida real. “No livro, pode-se encontrar a descrição da água, mas não pode encontrar água de verdade no livro. O que as pessoas procuram está dentro delas, e o primeiro passo é olhar para si mesmo. É preciso se tornar mais proativo, entender que a paz está dentro de você e, se você a quer, é nisso que deve se concentrar”, orienta o autor.

Ao ser questionado pela reportagem do Diário sobre se o equilíbrio interior está acessível a toda gente, Prem Rawat responde positivamente. “A paz é para todos, porque a paz já está dentro de todos os seres humanos. Precisamos entender o que a paz realmente é, que é a experiência que está dentro de cada ser humano”, declara.

Trabalhar e exercer o autoconhecimento, a resiliência, a gratidão, o desapego, o perdão, além de inúmeros outros valores e crenças pessoais, são as dicas de Rawat para se chegar à paz interior e, por consequência, à paz mundial. “ Não é a remoção de guerras que vai nos dar a paz. O que temos que entender é que esses problemas que o mundo enfrenta são sintomas de alguma coisa. Não são a doença real. São os sintomas. A coisa real é a paz. Quando as pessoas não experimentam isso em suas vidas, são esses os sintomas que ocorrem”, finaliza o escritor.

BESTSELLER, LIVRO FOI TRADUZIDO EM 14 LÍNGUAS

Na tentativa de propagar o princípio de que pessoas em paz interior não promovem guerras exteriores Prem Rawat lançou, em 2021, o livro Ouça a Sua Voz: Como Encontrar Paz em um Mundo Barulhento (Editora Fontanar, 248 páginas, R$ 40,70). Traduzida para 14 idiomas, a obra elenca dicas e pensamentos, ao melhor estilo autoajuda, para se encontrar o bem-estar espiritual.

No livro, Rawat se propõe a ensinar como o leitor pode diminuir o ruído da vida moderna para ouvir a voz interior que, segundo escreve, cada pessoa tem. Entre os exemplos de como fazer isso, estão o exercício de perdoar e a capacidade de ser resiliente diante das adversidades.

Publicado nos Estados Unidos em 14 de setembro de 2021, o livro se tornou bestseller imediato. Na edição de 3 de outubro daquele ano, a lista de mais vendidos do tradicional jornal The New York Times mostrava a obra na oitava colocação da categoria conselhos, dicas e diversos.

Nascido há 66 anos em Haridwar, cidade localizada na Índia, Rawat se apresenta como piloto (ele garante ter 14 mil horas de voo), fotógrafo, compositor, pai de quatro filhos e avô de quatro netos. Há cinco décadas, percorre o mundo divulgando mensagens pacifistas. Estima-se que já tenha sido ouvido por 15 milhões de pessoas em 456 cidades de 66 países, como Reino Unido, Itália e Austrália.

Rawat detém dois recordes no Guinness Book. O primeiro ocorreu em abril de 2023, quando atingiu o “maior público de todos os tempos a assistir à leitura de um livro de um único autor”: 114.704 pessoas. O segundo, em novembro do mesmo ano, ao obter a “maior participação em uma única palestra”: 375.603 espectadores foram ouvir seus ensinamentos.

'CABE AO POVO DERRUBAR MURO POLÍTICO'

Prem Rawat frequenta o Brasil há quase cinco décadas – ele chegou, inclusive, a receber em 2013 o título de Cidadão Paulistano, distinção proposta pela então vereadora Soninha Francine. Por isso, conhece os desafios enfrentados pelo País, inclusive a polarização política que, após a ascensão do líder de direita Jair Bolsonaro, ex-presidente, coloca boa parte dos brasileiros em polos diferentes. Ao ser questionado sobre o assunto, o autor pacifista disse que políticos apostam na discórdia porque ela gera temor e confunde a tomada de decisões racionais, o que poderia atrapalhar seus respectivos desempenhos nas urnas. “Quando as pessoas sentem medo, aceitarão qualquer solução por desespero”, explicou, em entrevista exclusiva concedida ao Diário durante sua passagem pelo Brasil. Para o escritor indiano, a solução dos conflitos está nas mãos da comunidade: “São os políticos que erguem os muros, e será a sabedoria do povo que os derrubará”. Confira, abaixo, os principais trechos da conversa:

Em determinado trecho de seu livro, o sr. recomenda que as pessoas evitem se preocupar com o que os outros pensam delas. Como se pode alcançar isso em um mundo onde a maioria busca aceitação nas redes sociais, cujo princípio é justamente a superexposição?

A tecnologia está nos afastando de nós mesmos, cada vez mais. Está nos levando a um espaço mental de olhar para outras pessoas, o que as outras pessoas vão pensar de nós? Precisamos de tecnologia que nos traga de volta para casa, para nós mesmos. Somente então a tecnologia terá um papel a desempenhar no que é real, um ser humano real sentindo paz em suas vidas, não apenas em sua cabeça, mas em seu coração. Quem lê meu livro aprende sobre a importância de se conhecer, se entender. Ter gratidão. Ter esses elementos que esquecemos. É disso que trata o livro. Um lembrete lindo, lindo, e uma bela jornada de volta ao coração de um ser humano.

A propósito, qual a opinião do sr. sobre redes sociais? Concorda quando especialistas em saúde mental dizem que podem ser tão viciantes quanto drogas e causar, entre outros problemas, ansiedade, distúrbios de comportamento, hostilidade, solidão e até suicídio?

Claro! Ao mesmo tempo, estamos constantemente dizendo aos outros quem somos. Há um caso de usuário que postou seu pedido de casamento no Instagram antes de realmente fazê-lo à noiva! Mas a verdade é que não nos conhecemos, e o que dizemos sobre nós mesmos nas redes sociais é o que os outros nos disseram que somos ou deveríamos ser. Esse é nosso maior problema, não sabemos quem somos. É por isso que Sócrates disse há tantos séculos: ‘Conhece-te a ti mesmo.’ Neste momento, o que está acontecendo é que não somos nós que estamos gerenciando a tecnologia, mas sim a tecnologia que está nos gerenciando, nos sobrecarregando. Como seres humanos, é importante que nos concentremos em encontrar significado em tudo isso e que estejamos no controle de nossas vidas, não deixando o Facebook ou o X nos controlar. Esta é a única maneira de vencermos, porque agora esses aplicativos estão definindo a agenda de nossas vidas. Mas então, essa é minha natureza; eu tenho que pensar sobre isso. Adivinhe o que Buda disse? “Não deixe sua mente vagar.” Bem, o quê? Por que Buda estava falando sobre não deixar sua mente vagar? O que é vagar? Não havia iPhones. Não havia tablets inteligentes naquela época... Espere um minuto. Você pode estar se perguntando: o que está acontecendo? O que o sr. quer dizer? Quero dizer o seguinte: não seja enganado! Não seja enganado pelos seus detratores. Não seja enganado. Eles sempre estiveram lá, em diferentes formas, confundindo você, alienando você – de quem? De você mesmo, de sua serenidade.

Todas as citações biográficas que li sobre o sr. dizem que sua primeira fala em público aconteceu quando tinha 4 anos, o que pode ser considerado um fenômeno. O sr. se lembra do conteúdo do que disse? Estava ciente do que estava fazendo?

Foi a primeira vez que tive a oportunidade de me dirigir a uma grande plateia e falar com ela sobre paz. Agora, é preciso que você imagine as circunstâncias de como foi isso. É claro que foi uma mensagem muito simples – e a mensagem naquela época, como é hoje, era que a paz que você está procurando está dentro de você.

O que o sr. sabe sobre o Brasil? O que o sr. tem ouvido sobre o País?

Visito o Brasil há quase 50 anos. Até tive investimentos por aqui, razão pela qual fui homenageado em 2013 quando a Câmara de Vereadores de São Paulo me concedeu o título de Cidadão Paulistano. Sinto-me próximo do Brasil.

Nos últimos anos, o Brasil tem experimentado uma clara radicalização política, que praticamente dividiu o País em dois extremos. Como construir uma cultura de paz em um ambiente tão conflituoso?

As pessoas prestam muita atenção à história, mas não aprendem nada com ela. Em determinado momento histórico, um muro foi construído, o Muro de Berlim. E seu destino era cair, quando chegasse a hora. Ele dividia as pessoas. Não se tratava de questão de paz nem de economia. Quando as pessoas sentem medo, aceitarão qualquer solução por desespero. Alguns políticos usam o medo para avançar em sua própria causa, embora nem todos. São os políticos que erguem os muros, e será a sabedoria do povo que os derrubará. A história já mostrou que é possível, e acredito que esses muros dos quais se fala terão o mesmo destino que os que já caíram.




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