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‘Não basta descrever a realidade, mas transformá-la’
Lays Bento
11/03/2024 | 08:26
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FOTO: Ricardo Stuckert/Agência Brasil


Há sete meses no principal posto do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann abriu em detalhes as dificuldades diante da produção e divulgação de uma das maiores pesquisas com todos os residentes no País: o Censo Demográfico. 

O economista, que contou ao Diário, inclusive, já ter lecionado a disciplina de formação por anos na UFABC (Universidade Federal do ABC), vislumbra um futuro que preserve a “soberania dos dados” apesar do avanço digital na sociedade. Para tanto, a estratégia inicial, segundo Pochmann, é unificar as estatísticas nacionais.

Nome: Marcio Pochmann

Estado civil: Casado.

Idade: 61 anos.

Local de nascimento: Venâncio Aires, Rio Grande do Sul.

Formação: Economia, pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Hobby: Leitura e boas músicas.

Local predileto: Porto Alegre (RS).

Time do coração: Grêmio.

Livro que recomenda: O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. 

Artista que marcou sua vida: “um dos maiores do teatro, Paulo Autran”.

Profissão: economista, pesquisador e político.

Onde trabalha: presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Uma das ações mais recentes do IBGE foi justamente a escolha de Diadema para sediar o anúncio de parte dos dados nacionais do último Censo, sobre o formato de moradia e o recorte de saneamento básico. Sendo assim, de forma geral, como o senhor avalia a importância do Censo Demográfico para o Brasil e, afinal, qual a sua relevância para políticas públicas, sobretudo, regionais, ao Grande ABC, por exemplo?

É fato que, com pesquisa e números, ficam nítidas as desigualdades existentes, mas também as fortalezas que conseguimos alcançar no meio tempo. Esta ferramenta que analisa a demografia nacional é uma espécie de bússola, que, em realidade, aponta onde estamos e onde podemos chegar. E é a partir deste uso cada vez mais intenso de dados com precisão que gestores públicos ganham embasamento para decidir sob uma realidade a ser remodelada. Importa destacar que, a propósito, na ocasião do anúncio em Diadema dos últimos dados de domicílio pelo País, um protocolo de cooperação entre o Instituto e o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC foi assinado. Esta é apenas uma das formas exemplares de justamente firmar interesse no aprofundamento do que é, no fundo, um mútuo interesse de quem promove e quem é impactado pelo Censo. Aqui falo, portanto, do cidadão comum, das prefeituras e das câmaras municipais de vereadores que tomam decisões juntos ao poder judiciário - como um efeito dominó, são estes pilares que consequentemente também impactam até o setor privado, por exemplo. Em resumo, isto aponta a importância e necessidade do comprometimento com o que envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação. Defendo que não basta apenas descrever a realidade, mas transformá-la. E neste sentido, o Grande ABC é um exemplo porque definiu o berço de grandes transformações democráticas do Brasil contemporâneo. 

Nesta última edição, houve um atraso no Censo. Os dados de 10 anos em 10 anos, que deveriam ser divulgados em 2020, consolidou-se apenas em 2022. Como o senhor avalia este cenário?

Como ponto de partida desta resposta, vejo pertinente um comentário: antes de assumir a presidência, particularmente conhecia bem o IBGE porque ele integrou minha trajetória acadêmica, colaborando com o mestrado, doutorado e etc. Apesar disto, não o conhecia dentro. Eu nunca tinha sido presidente do Instituto, estou apenas há sete meses no cargo. Mas digo isso tudo para expressar a minha certeza de que tudo é possível, na medida que a instituição tenha independência orçamentária, o que o IBGE não tem. No governo anterior, por exemplo, não houve recurso. Por isto, o Censo de 2022 foi muito difícil de ser efetuado, já que somente se realizou a partir de um esforço de colegas do IBGE junto ao seu próprio sindicato e com a sociedade civil. Inclusive, é a primeira vez que o Brasil realiza o Censo demográfico por uma determinação do Tribunal Federal. Curioso, porque o Censo era um desejo desde 1872, dos tempos de Império, e com esta carga e determinação legal, não faltavam, na verdade, recursos. Aliás, os salários ainda são inadequados no IBGE e seguimos lutando para uma remuneração à altura das carreiras. Em maio mesmo estarão completos nossos 88 anos de resistência e, por fim, nunca é demais dizer que algo com tamanha credibilidade precisa de condições adequadas para seguir. 

O senhor acredita que o adiamento do Censo pode impactar a qualidade dos dados e das análises demográficas?

Houve um atraso, mas o importante é que fizemos. Só que realmente você perde a periodicidade de todo o processo de análise e de impacto dos dados. E se a gente for falar de qualidade, o tópico fica mais profundo ainda, porque inevitavelmente 2010 (ano de lançamento do censo anterior) se torna mais distante – principalmente se colocarmos em xeque trabalhos políticos que deveriam ser analisados diante da evolução ou não do que apuramos. Agora, a operação censitária em si, de analisar a realidade atualizada dos brasileiros, é mais importante do que as estatísticas nacionais. Explico: o IBGE vai muito além do Censo apurado por décadas, o órgão trabalha hoje com um conjunto enorme de informações que permite atualizar, inclusive, um censo que pode estar ficando para trás. E a abrangência dos níveis de atividades estudadas, diga-se de passagem, vai desde conhecer a realidade das empresas do setor produtivo, a também analisar o índice de emprego e desemprego. Até o final do ano mesmo, esperamos divulgar exatas 314 amostras de pesquisas. 

Como o IBGE planeja mitigar possíveis consequências do atraso na coleta de informações demográficas?

Coletivamente, neste último Censo promovemos diálogos setoriais, em um conjunto de servidores, e já nos planejamos para as diretrizes de 2026 (os censos começam a ser preparados pelo menos três anos antes). Sequer havia plano de trabalho no Instituto e fizemos isso pela primeira vez. Além disto, é possível que façamos um Censo diferente em 2030, pelos novos recursos tecnológicos disponíveis e que a nossa comissão tem observando para espelhar com base em modelos internacionais. O tópico digital por aqui ainda transita no recorte de que apenas 5% dos Estados fizeram o último Censo pela modalidade on-line; no Uruguai mesmo, esta proporção chega a 55%. Então acho que temos um espaço para com certeza crescer neste sentido. Cabe destacar que há também um esforço em testar uma nova metodologia de questionários, até com menos questões ao público. Todo este trabalho é feito com o objetivo de permitir mais agilidade na coleta, por exemplo. 

Qual a principal tecnologia ou abordagem inovadora foi incorporada pelo Censo 2022? Aliás, curiosidade: algum dado particularmente surpreendeu o senhor nesta apuração?

Um salto enorme que tivemos em relação ao Censo de 2010 foram as coordenadas geográficas – quase um Google Maps na versão nacional, com 111 milhões de localizações, residenciais ou fora desta tipologia. Se o IBGE descobriu povos indígenas que nem a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) conhecia, o fator surpresa é sempre constante. Mas destaco a enfim confirmação e consolidação de que a maior parte da população brasileira é de pessoas pretas ou pardas. Este é um dos motivos para que a sociedade civil esteja engajada nesse esforço, no sucesso do Censo. 

Houve alguma resistência populacional a fornecer os dados? A que ainda atribui este cenário?

Foram observados entraves nos segmentos de mais alta renda no Brasil, que moram em condomínios, muito fechados, protegidos e preocupados com a própria segurança. Também fomos impactados recentemente por várias fake news. Espalharam informações dizendo que, quem respondesse ao IBGE, perderia o Bolsa Família. É uma questão política. Entretanto, para se ter noção, em 40 anos de Censo, quase 3 milhões de brasileiros se empenharam na produção do Censo. Então, gosto de pensar que o IBGE não está interpretando os dados, mas descrevendo as histórias coletadas. E estes números expressam transformações, ou seja, o Brasil não está parado, mas sim em um movimento que sinaliza necessidades.

Por fim, qual a estratégia para garantir a continuidade e o aprimoramento do Censo Demográfico em futuras edições?

Temos um desafio no que diz respeito à soberania dos dados. Por força da era digital, as corporações de Big Data – que não são brasileiras, inclusive – fazem quase que um Censo diário, por meio da disponibilidade em que nós, usuários de redes sociais, oferecemos de mão beijada. A gente autoriza no fim porque, se quiser ter acesso a elas, precisa aceitar a política de privacidade que estabelece o pertencimento de informações que se disponibiliza ali. Esperamos apresentar para o Congresso um projeto de lei que reformule a legislação das estatísticas no Brasil, criando o Sistema Nacional de Geociência, Estatística e Dados. Trabalhamos nos primeiros seis meses deste ano para levar esta discussão à sociedade e no começo do semestre que vem a ideia é permitir que parlamentares já façam análises a respeito. 

Quais seriam as vantagens a partir deste novo sistema e como funcionaria na prática?

A reforma administrativa de 1967 fragmentou as informações de dados do Brasil: o IBGE, que está vinculado à Presidência da República, passou a estar vinculado ao Ministério do Planejamento; o Ministério da Fazenda criou o Serviço de Processamento de Dados que passou a coordenar e processar dados econômicos; o Ministério do Trabalho têm seus dados, em 1974 vem o Dataprev, para previdência; aí vem Inep, de educação, DataSUS, para saúde, e muito mais. Ou seja, o conjunto informativo é grande, mas com silos de informação pontuais. A ideia é integrá-los. As informações estão dispersas, porque não dá para parear, todos têm finalidades diferentes. Seria uma visão mais totalizante da realidade. Isto daria mais acessibilidade na compreensão e manuseio das informações gerais brasileiras e reduziria custos, pela sintetização das variadas equipes ministeriais responsáveis.




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