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Jovem de Mauá mostra a realidade de morar na favela e estudar na USP

Com quase 500 mil seguidores nas redes, Luana Nascimento compartilha sua rotina

Thainá Lana
11/03/2024 | 07:01
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Claudinei Plaza/DGABC


 “A vida de quem estuda na USP e mora na favela”. É com essa frase que a jovem de Mauá, Luana da Silva Nascimento, 23 anos, começa seus vídeos nas redes sociais para quase seus 500 mil seguidores. A aluna do curso de estatística mostra na internet o lado invisível de estudar na melhor universidade da América Latina.

Até chegar na instituição pública, a mauaense precisou enfrentar diversos desafios na sua infância e adolescência por conta da situação de extrema vulnerabilidade que vivia. Moradora da comunidade Pedreirinha, seu pai, Pedro Rodrigues do Nascimento, 51, foi diagnosticado com esquizofrenia em 2005 e precisou ser afastado do trabalho, fator que impactou diretamente na renda da família.

“Passei por insegurança alimentar durante muito tempo. Minha mãe precisou tomar conta do meu pai, que demanda muitos cuidados, e de mais quatro filhos, então não tinha como suprir todas as necessidades. As roupas, material escolar e brinquedos era tudo doado”, explica a jovem. Como alternativa para complementar a renda da casa, a mãe Luciana da Silva Nascimento, 49, aprendeu a fazer bolos no YouTube e começou a vender.

Para tentar mudar a realidade da família, Luana decidiu que iria cursar uma universidade pública. Professores da E.E (Escola Estadual) Professora Elena Colonia, em Mauá, ajudaram a jovem a pagar a taxa do vestibular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde foi aprovada em 2019 na segunda chamada no curso de estatística.

Por conta de atrasos da instituição na liberação dos auxílios alimentar e financeiro, a universitária precisou desistir da graduação e voltou para casa, localizada há 150 km da universidade. Sem esquecer do seu principal objetivo, assim que chegou em Mauá, Luana começou a trabalhar de telemarketing e iniciou uma nova rotina de estudos, mas desta vez para entrar na USP.

“Assistia aulas no YouTube e refazia as provas antigas para treinar. Em 2020 fui aprovada na última chamada, na última posição”, conta a estudante, a primeira pessoa da sua família a cursar uma universidade pública. A aprovação no vestibular não fez com que os problemas sociais e econômicos de Luana desaparecessem. O desafio agora era permanecer na instituição para poder continuar com o sonho de se formar.

PERMANÊNCIA

“O maior desafio com certeza é me manter e me formar na USP. Além de me preocupar com o curso e a alta cobrança com o desempenho, os problemas familiares e os obstáculos financeiros são constantes”.

Sem condições de ir e voltar todos os dias para Cidade Universitária, a jovem conseguiu uma vaga na residência estudantil da USP, após pedir ajuda de outros estudantes em grupos do WhatsApp. Luana também contou com a doação de móveis dos seus colegas para poder mobilizar o espaço.

“Sofri muito no começo, cheguei até a passar fome, porque antes a USP oferecia apenas um benefício por vez, então o aluno tinha que escolher entre a vaga na moradia ou o auxílio financeiro. Nós escolhíamos a vaga e vivíamos do quê? Agora a instituição disponibiliza os dois auxílios, e recebo R$ 300 para me manter, além da renda da bolsa de pesquisa que também faço”. Neste ano, Luana começou a estagiar no banco Itaú, e além das despesas individuais, ajuda os pais com as contas de casa.

Atualmente, a mauaense cursa o nono semestre de estatística, no total são oito e no máximo 12. Ela explica que além dos empecilhos citados, também encontrou dificuldades no curso durante a pandemia da Covid-19. “O nível das aulas aqui é muito alto, é complicado conciliar tudo, ainda mais vindo de escola pública”.

INFLUENCER

Antes de entrar na universidade, Luana procurou nas redes sociais conteúdos de pessoas com a realidade parecida com a dela, mas não encontrou. Foi aí que a estudante enxergou a oportunidade de demanda no mercado digital e há um ano começou a compartilhar sua rotina e as dificuldades que enfrenta para estudar na USP.

Na sua conta no TikTok (@luhclaro), Luana tem 417,2 mil seguidores e 5,7 milhões de curtidas, e o seu vídeo com maior engajamento na plataforma, com 12,6 milhões de e 2,1 milhões de curtidas, mostra sua casa na comunidade e os problemas da família por conta da residência que está com risco de desabamento e com infiltração. 

“Com os meus vídeos, tento quebrar esse estigma de que a universidade pública não é lugar para pobre. Apesar dos obstáculos, podemos e devemos ocupar esse espaço, que também é nosso por direito. Tento democratizar o acesso às informações, mostrar que tem auxílios disponíveis para ajudar o aluno a permanecer na instituição. Recebo vários comentários de seguidores perguntando como fiz para passar na USP sendo pobre”, afirma. No Instagram ela tem 39,3 mil seguidores.

Sobre o futuro, Luana diz que ainda não escolheu a área que pretende atuar, mas sabe que irá continuar produzindo conteúdos para internet mesmo após formada. Além das diversas oportunidades do mercado de trabalho, ela também demonstra interesse pela carreira acadêmica. 

“Meu sonho é conseguir dar dignidade para minha família, conseguir tirar eles daquela casa, e fazer com que meus pais realmente vivam, porque até aqui a gente só sobreviveu. O pobre nunca sonha sozinho, então quero que eles tenham uma vida confortável e tenham acesso às coisas que nunca tiveram, meu pai nunca conheceu a praia, eles precisam aproveitar a vida”, desabafa Luana.

Educação é o instrumento mais eficaz para quebrar o ciclo de pobreza, diz mauaense

A estudante de estatística da USP (Universidade de São Paulo), Luana da Silva Nascimento acredita que por meio da educação é possível quebrar o ciclo de pobreza que parcela da sociedade está inserida.

Moradora da comunidade Pedreirinha, em Mauá, a jovem viralizou nas redes sociais com vídeos sobre a sua rotina morando na favela e estudando na melhor universidade pública da América Latina. Com apenas um ano postando conteúdos, a mauaense soma quase 500 mil seguidores no Instagram e no TikTok.

“Se você não for jogador de futebol, famoso ou herdeiro, a única maneira para sair da situação de miséria é através dos estudos. Isso não significa que você vai ficar rico, mas pelo menos conseguirá ascender economicamente para viver uma vida mais confortável”, diz Luana.

“Quando estudamos, entendemos que a desigualdade em que vivemos não é culpa nossa. Morremos de trabalhar para apenas sobreviver, por isso precisamos ter consciência de classe”, finaliza.




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