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Magistério é ramo majoritariamente feminino na região

Homens representam 11,4% dos docentes da rede municipal; número reflete estrutura patriarcal

Beatriz Mirelle
15/10/2023 | 08:11
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André Henriques/DGABC


A docência não entrou de imediato na vida de Lisardo Monteiro Garcia Neto, 59. Ela ficava à espreita, como se esperasse o momento certo para tê-lo como professor. Na década de 1990, enquanto trabalhava como jornalista, ele adorava ensinar os estagiários sobre as técnicas da profissão e, de vez em quando, lecionava uma aula ou outra. Nada definitivo. Apenas em 2013, quando viu o edital para concurso estadual, ele decidiu se aventurar como professor de matemática, função que exerce atualmente.

No Dia do Professor, celebrado hoje, Monteiro resume que a profissão é o que lhe mantém motivado. “Ser professor é, acima de tudo, uma missão. Parece uma coisa romantizada, mas não é. O que eu mais gosto de fazer é estar em sala de aula. Isso me motiva a acordar, sair da cama e enfrentar os problemas do dia a dia, que são comuns na vida de qualquer profissional”, diz Monteiro, docente na E.E. (Escola Estadual) Celso Gama, em Santo André. 

Apaixonado pelo que faz, ele sabe dos entraves quando se trata de uma disciplina que mistura números e letras, equações e fórmulas, mas, convicto do poder do ensino, não mede esforços para atrair a atenção dos estudantes. “Ninguém vai para frente sem a educação. Não há transformação social que aconteça sem a educação. Poder receber um aluno e fazer uma diferença positiva na vida dele é algo sem explicações. Esse é o prazer que eu, pessoalmente, vejo na docência.” 

Monteiro é um dos 53.908 professores homens de toda rede estadual, o que representa 29.7% do corpo docente concursado. Nas escolas municipais do Grande ABC, o número é menor. A cada 11 professores apenas um é homem (11,4%). O dado considera Santo André, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que somam 6.331 docentes, sendo 553 homens. Mauá tem 1.200 professores, mas não encaminhou a informação com recorte de gênero. São Bernardo e São Caetano não responderam. 

Na avaliação da coordenadora do GT (Grupo de Trabalho) de Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Ana Lucia Sanches, secretária de Educação de Diadema, ter maioria composta por mulheres entre os profissionais da educação não é um mérito. “O magistério reflete a estrutura social. Vivemos uma sociedade que ainda tem repartições patriarcais. Acontece com enfermeiras, professoras. Não é incomum que a maioria, especialmente educação básica e infantil, seja mulher. É um contexto histórico. Entende-se que maternidade e educação são caminhos que se espelham. Isso afasta os homens da docência.”

Ainda que os dados mostrem a baixa adesão de homens pela profissão, a coordenadora do GT acredita ser possível a evolução dessas estatísticas. 

“É necessário desconstruir a ideia do homem só como provedor, que não se envolve com a infância e não se compromete com o trabalho cotidiano e delicado exigido pela docência. Enquanto pais, os homens também estão vivendo um processo de desconstrução. A cada geração, eles estão mais presentes na educação dos filhos. É uma mudança sociológica, estamos em curso dela para que tenhamos cada vez mais a participação dos homens na educação tanto no ambiente privado, quanto no ambiente público, desde a creche até o Ensino Médio.”

CRIATIVIDADE

Gilmar Rodrigues, 46, é professor da educação infantil da E.M. (Escola Municipal) Professor Valberto Fusari, em Ribeirão Pires, desde 2007, com aulas direcionadas para alunos de, no máximo, 4 anos. Aos pequenos, questões como autonomia e coordenação motora são trabalhadas em sala de aula. 

“Durante a observação de como as crianças se comportam, eu consigo entender a necessidade de cada aluno. Gosto muito de trabalhar com brinquedos de sucata e decidi juntar isso ao meu trabalho. Por exemplo, tem criança que, no momento da pintura, não consegue fazer o movimento pinça e tem dificuldade na coordenação motora. Pesquisei e fiz um brinquedo com tampinhas, papelão e palito de churrasco. Com ele, os alunos conseguem treinar o movimento de traço e, quando vão pintar novamente, já apresentam evolução.” 

Segundo Rodrigues, no início do ano letivo, os olhares dos pais de alunos entregam as inseguranças das famílias logo na primeira reunião. “O fato de ter um homem em sala de aula trabalhando com crianças não é para gerar nenhum espanto. Vejo que os pais ficam receosos, com pré-conceitos em relação à violência. Depois que eles veem a evolução dos filhos, essa mentalidade acaba. Ver a mudança das crianças me incentiva a continuar.” 

Precarização da profissão afasta novos professores

Estruturas de trabalho precárias, contexto pós-pandemia, salários baixos, entre outras dificuldades que podem fazer parte da rotina de um professor, são capazes de desestimular que jovens se interessem pela docência. “Precisamos construir a cidadania do educador, com boas remunerações, carreira estruturada e formação permanente para que daqui a cinco anos não tenhamos falta de docentes na rede”, analisa a coordenadora do GT (Grupo de Trabalho) de Educação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Ana Lucia Sanches. 

Para ela, que também é secretária de Educação de Diadema, o sucateamento de espaços de formação na região prejudica ainda mais que novos profissionais se interessem pela licenciatura. “Devemos colocar a educação básica como uma prioridade, no mesmo patamar do que, por exemplo, as engenharias e precisamos defender a criação de centros de pesquisa para formação de professores nas sete cidades.”

Entre as décadas de 1980 e 2000, as atuações da Fundação Santo André e Universidade Metodista de São Paulo foram essenciais para criação de docentes. “Hoje, temos cursos de pedagogia a distância por R$ 69. Aos poucos, perdemos a condição de colocar a educação no seu devido patamar.”

Segundo Ana, a Lei do Piso foi um avanço por assegurar aos profissionais do Brasil um salário base, o reajuste anual nos valores e um terço da jornada para preparação de aula, mas ainda deixa a desejar na questão de formação.

Com o objetivo de tentar barrar a precarização, o Consórcio solicitou que o curso de pedagogia entre para o currículo da UFABC (Universidade Federal do ABC), além de pedir para a União que haja construção de um IF (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia) em uma das sete cidades. 




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