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'Cidadela da Liberdade' conta a história do Sesc Pompéia
Do Diário do Grande ABC
17/03/2000 | 15:37
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Uma fábrica pode eventualmente produzir idéias e prazer, em vez de produtos. Há 20 anos, a arquiteta Lina Bo Bardi partia de uma idéia aparentemente utópica para gestar um dos edifícios mais estimados pelos paulistanos: o Sesc Pompéia, na Zona Oeste da cidade. A história de como Lina e seus assistentes erigiram o Sesc Pompéia nas ruínas de uma antiga fábrica de geladeiras sai agora em livro, com a publicaçao de "Cidadela da Liberdade" (Instituto Lina Bo e Pietro M. Bardi).

A publicaçao do livro se integra à mostra paralela organizada pela 4ª Bienal Internacional de Arquitetura, encerrada no mês passado, e que exibiu 224 ampliaçoes fotográficas, 80 desenhos originais da arquiteta, além de mobiliário e um histórico das exposiçoes que o Sesc montou desde sua inauguraçao, em abril de 1982. O livro, entre outras coisas, traz como novidade uma ensaio fotográfico das antigas instalaçoes da fábrica nos anos 30, feito pelo fotógrafo alemao Hans Gunter Flieg. Vários textos publicados ao longo dos anos também estao no fim do livro, assinados por gente como Eduardo Subirats, Cecília Rodrigues dos Santos e Bruno Zevi.

"Nao separamos as atividades por salas, salinhas e andares, como habitualmente se faz", disse Lina na época da inauguraçao. "Integramos os ambientes, para que as pessoas se movimentem como se estivessem numa praça pública, numa rua, numa comunidade mesmo". Poucas idéias arquitetônicas na cidade funcionam e servem tao bem à sua proposiçao inicial quanto o Sesc Pompéia.

História - A italiana Lina Bo Bardi chegou ao Brasil em 1947 atraída pelas possibilidades que o país oferecia. "A grande arquitetura brasileira no imediato pós-guerra foi como um farol de luz a resplandecer em um campo de morte", ela disse, avaliando a obra de Lúcio Costa, Niemeyer e os discípulos de Le Corbusier.

A fábrica onde funciona atualmente o Sesc Pompéia foi construída em 1938 pela firma alema Mauser & Cia. Ltda., baseada num projeto inglês característico do início do século. Quando os alemaes voltaram para a Europa, o prédio, abandonado, foi a leilao. O novo proprietário acabou sendo a Ibesa (Indústria Brasileira de Embalagens). Mais tarde, a área abrigou uma fábrica de geladeiras, além de almoxarifados e garagem.

Quando o Sesc a adquiriu, em 1970, estava fechada. Lina viu naquele prédio de arquitetura apenas técnica, despojada, sem grande valor histórico um grande motivo para desenvolver um projeto que integrasse arquitetura de preservaçao e cidadania. "Essa 'arquitetura pobre' dá a poesia do lugar, cria a atmosfera que pretendemos conservar no centro", afirmou.

"Vamos recuperar a lembrança do lugar de trabalho porque achamos que o lazer, a nova destinaçao do prédio, é uma continuaçao do trabalho; essa divisao que existe entre as duas coisas é horrível, porque o trabalho decente deve ser emendado com o descanso". Entre 1977 e 1982 foi feita a restauraçao dos galpoes da fábrica, segundo normas da Carta de Veneza (regras de preservaçao internacional).

Lina chamou o conjunto de "Cidadela", aludindo ao termo inglês "goal" (meta ou gol, como nos acostumamos a conhecer). O filósofo e poeta Eduardo Subirats viu um certo aspecto expressionista na obra, e Lina concordou, mas advertiu também para sua leitura de um surrealismo verde-amarelo. Entre as peculiaridades da obra, que sao muitas, pelo menos duas mereceram ensaios especiais de Lina: as cadeiras de madeira do mobiliário e as janelas recortadas nas torres, como buracos neandertalescos. "Tenho pelo ar condicionado o mesmo horror que tenho pelos carpetes", disse a arquiteta, sobre os buracos-janelas. "Os buracos permitem uma ventilaçao cruzada permanente". Já as cadeiras, acusadas freqüentemente de serem uma atentado à coluna do espectador, exigiram um maior esforço teórico, antifoucaultiano.

"A cadeirinha de madeira do Teatro da Pompéia é apenas uma tentativa de devolver ao teatro seu atributo de 'distanciar e envolver' e nao apenas de sentar-se".




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