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Aja faz filme de terror para falar de política
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
28/07/2006 | 09:31
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Um artigo da Cahiers du Cinèma matou a charada sobre o novo filme de Alexandre Aja, quando de seu lançamento na França. O cineasta, também francês, tinha mandado avisar que não brincava em serviço quando finalizou Alta Tensão (2003). Com o recente Viagem Maldita – refilmagem de Quadrilha de Sádicos (1977), de Wes Craven – prova outra vez que seu cinema tem uma responsabilidade autoral evidente, um estudo antropológico e político igualmente visível.

Na Cahiers, a revista francesa, apontava-se Viagem Maldita como um dos mais espessos exercícios de transfiguração no cinema moderno.

Transfigurar para revelar. Transfigurar para investigar. Em outras palavras, Aja sugere a deformação física e psicológica como meio de implodir as monstruosidades cometidas em nome da soberania política. São meios complexos, mas eficazes, os que apontam para esse fim.

Viagem Maldita é um filme de terror, não tenha dúvida. Seu enredo parte de testes nucleares realizados em meados do século XX em deserto no interior dos Estados Unidos. Décadas depois, uma família que viaja de trailer pelo mesmo deserto conhecerá, da maneira menos agradável possível, as conseqüências dessas experiências.

Depois de um acidente que impossibilita a locomoção da família, e a deixa ao deus-dará, começam os ataques de criaturas nativas, mutantes humanos que sofreram drásticas transformações em sua fisionomia por causa da radiação. A classificação etária, que desautoriza o filme para menores de 18 anos, não é à toa. Cenas de estupro, flagelação e assassinatos brutais são recorrentes no filme de Aja.

Recorrentes. Mas são gratuitas? Não. São a ferramenta de investigação do filme para avaliar hipocrisias estatutárias. É a resposta visual, sensorial para o mal-estar criado dentro do espaço geográfico, dentro do espaço fisiológico mesmo, para justificar o espaço político. É a réplica da arte para as atitudes descalibradas do Estado cuja moral se baseia no sucesso bélico, na saúde do ser nacional absoluto. O monstro interior, efeito colateral do êxito na guerra exterior, é enjaulado, omitido.

Monstro interior que também se mostra na tal estratégia de transfiguração. Doug (Aaron Stanford), o genro que acaba com a missão de vingador, único familiar adquirido pois não comunga do mesmo sangue do clã barbarizado, é o melhor exemplo. Mais do que a cunhada estuprada ou o sogro assassinado. Ao se entranhar no deserto dos mutantes, passa por todas as provações, até se tornar ele próprio um monstro coberto de sangue. Acaba, assim, como nova vítima histórica. E quando usa a bandeira norte-americana como arma, não é para reafirmação nacional. É mais um ato de cinismo, sobre absorção do organismo estatal/histórico pelo indivíduo. Viagem Maldita, um novo Dr. Jekill e Mr. Hyde, que questiona qual monstruosidade é maior: a aberração visível ou a pró-constitucional.

VIAGEM MALDITA (The Hills Have Eyes, EUA, 2006). Dir.: Alexandre Aja. Com Aaron Stanford, Dan Byrd, Emilie de Ravin, Vinessa Shaw, Kathleen Quinlan. Estréia nesta sexta-feira no ABC Plaza 9, Shopping ABC 5, Mauá Plaza 4 e circuito. Duração: 107 minutos. Censura: 18 anos.



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