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No primeiro semestre, região registra maior número de estupros da história

De janeiro a junho foram notificados 308 casos no Grande ABC, registro mais alto em 23 anos; sete a cada 10 vítimas eram vulneráveis

Thainá Lana
05/08/2023 | 09:03
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No primeiro semestre de 2023, os municípios do Grande ABC registraram o maior número de estupros desde o início da série histórica, em 2001. De janeiro a junho foram contabilizados 308 casos de violência sexual na região – o maior registro em 23 anos, de acordo com dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado).

Os números podem ser ainda maiores. Segundo especialistas ouvidos pelo Diário, as notificações não refletem o real cenário de violência, e os casos podem ser até 10 vezes superiores do que os dados oficiais, devido à subnotificação desse tipo de crime.

O recorde de casos no ano pode estar associado à alta de denúncias no período devido à maior conscientização da vítima sobre o tema, conforme explica Jamila Ferrari, coordenadora das DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher) do Estado. 

“Entendemos que esse aumento vem de alguma forma associado com as implementações das políticas públicas de conscientização, principalmente considerando que o crime de estupro é, sem dúvida, o delito com maior número de subnotificação. As pessoas estão mais informadas, pois, compreendem que foram vítimas. Além disso, elas confiam no sistema de justiça para investigar e prender o agressor”, ressalta a coordenadora.

Jamila acredita que a alta de ocorrências também ocorreu por conta do maior número de ferramentas disponíveis para denúncia, como as delegacias eletrônicas, e as unidades especializadas em atendimento à mulher, como às cinco DDMs localizadas na região, nos municípios de Diadema, Mauá, Santo André, São Bernardo do e São Caetano.

A coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Nemésio, ressalta que o aumento de ocorrências reflete um padrão cultural de misoginia, machismo, patriarcado e violência política no País. 

“Este tipo de crime reforça o comportamento social de alguns grupos de tentar colocar a mulher nesse lugar de submissão, como se fosse um objeto, sem vontades ou desejos”, diz Cristina, que ainda continua. “E mesmo que este tipo de conduta e pensamento tenha sido incentivado nos últimos anos, as mulheres têm ganhado cada vez mais consciência e denunciado mais as violências sofridas”, finaliza.

A mudança na lei 12.015, em 2009, também pode ser um dos fatores para o crescimento gradativo de denúncias nessas duas décadas, conforme aponta Cristina. 

Desde a alteração da norma, o crime de estupro passou a ser definido como qualquer conduta, com uso de ameaça ou violência, que atente contra a dignidade e liberdade sexual de alguém. Não é preciso haver penetração para ser caracterizado como estupro.

VULNERÁVEIS

Do total de casos de estupro contabilizados neste ano, 77% das ocorrências foram contra pessoas vulneráveis – crianças menores de 14 anos, deficientes ou pessoas sem condições de se defender. Dos 308 casos, 238 foram contra esse público, ou seja, sete a cada 10 vítimas eram vulneráveis.

Cristina Nemésio alerta que a maioria dos casos ocorre em ambiente doméstico, por pessoas próximas ou conhecidas da vítima. “Por isso, é tão importante o acesso dessas pessoas a diferentes canais para que a denúncia seja realizada, e não fique apenas a critério dos conhecidos e familiares. No caso das crianças, elas não possuem autonomia, e necessitam de suporte de diversas áreas, como saúde, educação e assistência social, para que os casos sejam identificados e divulgados”, pontuou.

A especialista reforça a importância da educação sexual e as campanhas de conscientização e prevenção com o público infantil para combater este tipo de crime. “É sobre ensinar limites e, assim, dar autonomia para que as crianças e os jovens consigam identificar caso sejam vítimas de violência sexual”, finaliza Cristina.

Jamila Ferrari, coordenadora das DDMs do Estado, revela que as delegadas das unidades de polícia realizam um trabalho de conscientização em diversos locais, principalmente em escolas das redes pública e privada. Segundo a delegada, a ação educativa busca divulgar os canais de denúncias, explicar sobre o crime de violência contra mulher, as maneiras de procurar ajuda, entre outros pontos.

BELO HORIZONTE

Nesta semana, um crime de estupro chocou o País. O caso aconteceu no dia 30 de julho, em Belo Horizonte, Minas Gerais, após uma jovem de 22 anos ser abandonada inconsciente na porta de casa por um motorista de aplicativo.

Segundo imagens das câmeras de segurança, um homem passava pelo local, viu a jovem deitada desacordada na calçada, e saiu do local com ela nas costas. A vítima foi acordada na manhã do dia seguinte por socorristas do SAMU (Seviço de Atendimento Móvel), que foram chamados por moradores do bairro. Levada ao hospital, foi constatado que a jovem foi vítima de violência sexual.

O suspeito, identificado como Wemberson Carvalho da Silva, 47, foi preso em flagrante no dia 31 por estupro de vulnerável. Ele passou por audiência de custódia e continua detido.

A CULPA É O PRINCIPAL TRAUMA, DIZ PSICÓLOGA

O principal trauma que a vítima de violência sexual pode desenvolver após o crime é a culpa, conforme afirma a psicóloga Anaxandra Martins. Segundo ela, isso ocorre por conta da culpabilização que as vítimas sofrem da sociedade, mesmo quando crianças.

“Por conta de como este assunto é tratado no nosso País, elas acabam carregando a responsabilidade pela violência sofrida”, explica. Esse comportamento ocorre também durante a assistência à vítima.

“O atendimento no Brasil está muito longe do ideal, chegando a ser violento em um momento que a pessoa está mais fragilizada. Tenho relatos de pacientes que tiveram que passar por vários postos de atendimento médico até conseguir um exame de DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e a medicação preventiva. É comum, ainda, os questionamentos com viés de culpabilização da vítima”, pontua.

Além da culpa, a psicóloga, que atende há 17 anos mulheres vítimas de violência sexual, explica que, após o crime, outros traumas podem ser desenvolvidos, como ansiedade, depressão e sexualização precoce, no caso de menores de idade.

“É importante lembrar que a maioria das ocorrências de violência sexual ocorre no ambiente familiar, o que pode aumentar o trauma, a possibilidade da depressão e dificuldades de estabelecer relações de confiança”, reforça a especialista.

O impacto na vida da vítima de violência sexual é para sempre. Anaxandra fala que os traumas ocasionados não têm cura, e que um processo terapêutico irá ensinar o paciente a conviver com a dor.

Caso a vítima não tenha acompanhamento psicológico, o trauma poderá gerar dissociação (afastamento súbito da realidade) sobre o que é ou não é real e impactar em diferentes áreas da vida.

“A pessoa poderá desenvolver dificuldades de relacionamento com pessoas do sexo do abusador, no trabalho, em constituir família, fazer amigos, confiar nas pessoas em geral, síndrome do pânico, entre outros”, explica a psicóloga.

Anaxandra orienta que após sofrer a violência, a vítima busque auxílio médico para a prevenção de gravidez indesejada e DSTs, além de realizar a denúncia às autoridades policiais.

Queixas de violência podem ser feitas pelo 190 (Polícia Militar), Disques 100 e 180, Delegacia de Defesa da Mulher e Delegacia de Defesa da Criança e do Adolescente, além dos conselhos tutelares. 




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