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Um em cada quatro estudantes de faculdades públicas é negro

Dos 23.974 alunos de UFABC e Unifesp, 27% são pretos e pardos; percentual é menor em instituições privadas no Grande ABC

Beatriz Mirelle
Do Diário do Grande ABC
29/07/2023 | 08:59
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Incentivo familiar foi base para que eles se tornassem os 1ºs (FOTO: Celso Luiz/DGABC)


Após uma década da implementação da Lei número 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, a quantidade de alunos negros nas universidades públicas do Grande ABC ainda é baixa. Mesmo com a evolução causada por essa política pública, que permitiu que o número saltasse de 1.983 para 6.455 na comparação entre 2013 e 2023 (alta de 225,5%), atualmente apenas um em cada quatro estudantes se autodeclara pardo ou preto, de acordo com dados das graduações e pós-graduações da UFABC (Universidade Federal do ABC) e Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Campus Diadema. 

“Vim de uma família da classe trabalhadora. A universidade pública sempre foi a única opção que eu tinha se quisesse fazer ensino superior. Entrei na UFABC graças às políticas de cotas, tanto de renda, quanto de raça e por estudar em escola pública. Elas são fundamentais, mas precisamos avançar bastante. São poucos alunos negros, ainda mais no meu curso que é de exatas. Somos a minoria e isso influencia nossa sensação de pertencimento”, relata Priscila Carvalho, 26, bacharel em Ciências e Tecnologia junto com Engenharia Ambiental e Urbana. A moradora do Bairro Santa Terezinha, em Santo André, é a primeira da família a entrar em uma universidade pública. “Quero dar exemplo a outros parentes de que é possível. Isso gera uma autocobrança”, complementa Priscila, que desde 2018 estuda na UFABC e, até o momento, nunca teve aula com uma docente negra. 

Dos 23.974 estudantes matriculados na UFABC e Unifesp campus Diadema, apenas 10,7% são mulheres negras (2.559 alunas).

Segundo Ramatis Jacino, professor do Bacharelado em Ciências Econômicas, do Programa de Pós Graduação em Economia Política Mundial e vice-coordenador do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros da UFABC, essa baixa presença de mulheres negras reflete a realidade nacional, que necessita de políticas públicas específicas para ser superada. “O racismo e o patriarcalismo faz com que elas sejam as principais vítimas das discriminações”, exemplifica Jacino ao citar que a população negra passa por contínuos casos de violência, estigma, sobrecarga de responsabilidades e desvalorização no mercado de trabalho. 

Jacino ressalta que o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e Prouni (Programa Universidade Para Todos) também foram determinantes para o aumento de alunos pretos nas faculdades privadas. “A juventude negra ainda passa por inúmeras dificuldades para ingressar no ensino superior, como baixa qualidade do ensino médio a que tem acesso, distância entre a universidade e residência, necessidade de ajudar a família impedindo a dedicação exclusiva aos estudos e até mesmo o imaginário que ainda persiste no interior da sociedade, que considera que esse não é lugar para esses alunos.”

O vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes da UFABC, Paulo Henrique Pinheiro, 25, bacharel em Ciência e Tecnologia, defende que os coletivos de alunos são fundamentais para manter jovens negros na universidade. “No meu curso, ainda são poucas pessoas pretas. Ainda que tenhamos a Lei de Cotas, vemos que há um eurocentrismo nas bibliografias e tratativas dos professores dentro de sala de aula. Muitas vezes o racismo estrutural passa ‘despercebido’. Os coletivos e organizações do movimento estudantil fortalecem esses espaços de discussão e aquilombamento dos alunos”, comenta o integrante do Coletivo Negro Vozes.

Para além da possibilidade de entrar em uma universidade, é necessário pensar em mecanismos que influenciem a permanência até a conclusão do curso. “Ainda que a universidade seja pública e gratuita, existem as despesas com material escolar, livros, equipamentos eletrônicos hoje indispensáveis, como celulares, computadores, acesso à internet rápida”, analisa Ramatis Jacino. 

Em nota, a UFABC informa que, desde o primeiro processo de ingresso (2006), reserva vagas “para oriundos de escolas públicas, pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas”.




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