Vinicius Marchese concedeu entrevista exclusiva ao Diário e falou sobre estudo entregue ao governador Tarcísio para evitar colapso no transporte e alternativas sobre mobilidade urbana
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Em 2030, será mais rápido ir a pé da Capital a Jundiaí do que de carro. A avaliação é de Vinicius Marchese Marinelli, presidente do Crea (Conselho de Engenharia e Agronomia) de São Paulo. Para evitar esse colapso no sistema de transporte, Marinelli entregou estudo para o governador Tarcísio de Freitas para o Estado tomar medidas que evitem essa catástrofe. Há pedido para reativar malha ferroviária no Estado, que tem pouco mais da metade sem utilização ou manutenção, e a conclusão do Rodoanel. Para dar celeridade aos projetos, Marinelli aposta na PPP (Parceria Público-Privada).
Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista:
O governador Tarcísio de Freitas comandou durante quatro anos o Ministério da Infraestrutura, sendo responsável por entregar obras de estradas, aeroportos e ferrovias. O sr. entregou recentemente estudo com projeto logístico para melhorias no Estado de São Paulo. Acredita que este governo levará a sério a infraestrutura logística?
Com certeza, afinal já tivemos sinalização do governo do Estado de que, a partir da entrega deste relatório elaborado pelo Crea-SP, a gestão estuda um plano para considerar outros modais de logística e transportes além do rodoviário. Essa foi uma necessidade apontada em nosso estudo e que, com uma solução posta em prática, tem como objetivo alcançar um melhor equilíbrio no sistema paulista por meio da integração, por exemplo, de ferrovias e hidrovias, o que vai impactar na redução de custos, acidentes e emissão de gases de efeito estufa em todo o Estado. O trabalho que realizamos no Conselho com a análise de projetos e soluções que podem evitar o colapso do sistema é estratégico neste sentido, porque é uma contribuição para o desenvolvimento socioeconômico do Estado como um todo que pode servir para a construção de políticas públicas nos diferentes níveis (municipal, estadual e até federal).
O Ferroanel e o Rodoanel podem impactar o sistema logístico de transporte no Estado? Como?
Sim e muito! Para corrigir as deficiências do sistema atual é preciso olhar para todas as possibilidades de transportes, principalmente na Macrometrópole Paulista (que é formada por 97 municípios entre Região Metropolitana e Interior de São Paulo), e o Rodoanel e Ferroanel são parte da solução estratégica que pode controlar a expansão urbana e proteger o meio ambiente. Mas isso não vai acontecer de forma isolada, uma vez que já sabemos que o fluxo rodoviário só tende a aumentar, o que já é considerado um dos grandes problemas dos transportes hoje. Devemos, então, criar uma nova formatação de sistema que considere diferentes modais para revolucionar as práticas de coleta e distribuição de cargas. Com uma ampliação significativa da oferta não-rodoviária e aumento da rede de ferrovias – com a devida requalificação dos trilhos para isso – será possível capturar essa crescente demanda da expansão urbana para que mais pessoas e mais cargas sejam deslocadas pelo sistema. O impacto não será apenas estadual, como também contribuirá para o PIB brasileiro, garantindo a São Paulo a posição de polo qualificado de indústria, negócios e serviços em posição estratégica de comercialização com outros Estados, pelas rodovias, e outros países, pelo Porto de Santos.
O que é visto como prioritário para o Crea-SP hoje? Rodoanel, uma obra antiga e que está próxima da conclusão? Qual benefício para a Capital e Região Metropolitana ter o Rodoanel concluído?
A prioridade é um sistema intermodal. Identificamos que a transposição rodoviária e ferroviária da Macrometrópole e o acesso ao Porto de Santos são os principais gargalos do sistema de transportes paulista atualmente. Ter o Rodoanel concluído é benéfico a partir do ponto de vista de interconexão das regiões atendidas, mas focar apenas no modal rodoviário seria um erro. Temos exemplos claros disso diariamente: mais de 80% da demanda de cargas é rodoviária. Isso que temos o melhor sistema rodoviário estadual do País, mas esse fluxo já não é mais suportado. Quando se tem eficiência na logística de carga, o produto chega até a prateleira do consumidor com um custo mais barato porque, dependendo da situação, o transporte chega a 20% do valor de venda. Fora o transporte de pessoas que está visivelmente afetado porque não existe mais hora para trânsito. A qualquer momento a população é afetada. Vemos isso todos os dias nas notícias sobre o trânsito, especialmente quando os eixos chegam à Capital, como é o caso de tantas rodovias além do Rodoanel. O compilado deste relatório buscar melhorar a vida das pessoas. Contamos com especialistas para isso e para mostrar a importância de investir em projetos multidisciplinares. As análises que consolidamos mostram que o cenário atual impõe severos danos à competitividade logística com negativas repercussões para o sistema produtivo paulista, para o meio ambiente e para a qualidade de vida da população como um todo. Então, quando apontamos a necessidade de aumento da infraestrutura ferroviária, de criação de plataformas logísticas multimodais, de maximização do transporte e de melhoria da eficiência do serviço rodoviário de cargas, tratamos de soluções que vão servir para a população.
O PAM TL, analisado para 2013 – 2040 pela Emplasa, mostra concretização da ligação ferroviária entre Campinas, Sorocaba, Santos e São José dos Campos com a Capital. Isso para passageiros e transporte de cargas. Essa combinação seria uma solução para curto ou longo prazo?
O PAM TL é uma medida que, em curto prazo, evitaria o colapso total do sistema rodoviário. Por ser focado em estudos e projetos de linhas ferroviárias de um sistema intermodal, ligando os quatro vértices (Sorocaba, Campinas, São José dos Campos e Santos) à Região Metropolitana e Capital, se trata de uma solução que atenderia à demanda de viagens de passageiros e de cargas com mais agilidade. Para isso, numa ação de curto prazo, só precisaríamos voltar os esforços para a manutenção e gerenciamento de redes férreas que já existem. A longo prazo, ao obter os resultados efetivos, poderemos pensar na expansão ferroviária.
Da antiga malha ferroviária de São Paulo, muito utilizada no século passado, há algum trecho que possa ser revitalizado ou a perda pelo abandono faz com que tudo seja necessário do zero?
As ferrovias paulistas têm pouco mais de 2.500 quilômetros operacionais, com fluxo regular, enquanto o restante da malha, em mais de 50% (que correspondem a mais de 2.600 quilômetros), não é utilizado e está sem manutenção. Cada um desses trechos precisa ser olhado de perto para entender quais são as necessidades, se de manutenção, troca ou atualização total. São linhas já estabelecidas que não demandariam processos mais custosos e demorados, como estudo, construção, desapropriação etc.
Regiões como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, que têm sistema ferroviário, precisam passar por adaptações ou reformas para atender a demanda atual? Em São José do Rio Preto, por exemplo, há problemas de a linha férrea passar por dentro da cidade. Mudanças para criação de um contorno da linha são complexas?
Mudanças são sempre complexas, mas são elas que permitem a evolução. Falando de logística e transporte de pessoas, esses exemplos são apenas alguns dos casos que temos no Estado que requerem a recuperação ferroviária. E, se olharmos para outras referências fora do País, podemos notar que as matrizes de logística e transporte mais modernas, onde custo e sustentabilidade caminham juntos, são as que integram ferrovias, rodovias e transporte fluvial (pelos rios e bacias onde haja essa possibilidade). Então, com certeza, serão necessários investimentos para a recuperação e adaptação. O que é importante frisar é que estamos falando de uma situação emergencial. Isso porque se nada for feito em um curto período de tempo, teremos um colapso desse sistema. Antes disso e como medida para evitar que cheguemos nisso, as ferrovias atualmente abandonadas pelo desuso terão de ser revitalizadas.
De todos os projetos para desafogar estradas, rodovias, marginais etc, qual o peso da burocracia para execução das propostas?
Acredito que essa seja a maior dificuldade. Sabemos que o processo público é custoso e lento para colocar em prática os projetos desenvolvidos pela academia e por especialistas técnicos. Existem meios de viabilizar a aceleração da aplicação desses projetos e as parcerias público-privadas são uma alternativa. Para isso, no entanto, é preciso investimento e vontade política. Só assim poderemos construir um outro momento para a logística e o transporte no Estado. Isso fará não só com que São Paulo continue crescendo, como também se mantenha como a locomotiva do País, um Estado pioneiro e economicamente saudável.
Sem as mudanças apontadas pelo Crea-SP, em quanto tempo o sistema logístico estadual poderá colapsar?
Infelizmente, estamos falando de um colapso a curto prazo. Já temos indicadores de que até 2030, por exemplo, vai ser mais rápido sair de São Paulo a pé para Jundiaí do que de carro se nada for feito.
O governo de São Paulo tem uma relação de “amor e ódio” com o Metrô. Isso porque a população pede maior número de linhas e estações e faz comparações com avanço do sistema em outras capitais. Qual problema da Capital para demora em construções do tipo?
Entendo que os principais entraves hoje estão na lentidão dos processos burocráticos da administração pública e na falta de vontade política. O investimento existe, mas aplicá-los não é tão simples e o que seria mais rápido numa realidade privada, toma muito mais tempo no ambiente público sem que haja o empenho necessário para tal. Sem vontade política não é possível explorar o sistema de transportes de São Paulo como se deveria e, assim, não se chega neste equilíbrio entre o que a sociedade precisa e o Estado oferece.
Governos de outras regiões paulistas devem começar a avaliar o Metrô para ligação e transporte de passageiros? Ou investir no transporte de passageiros por trem seria uma solução para facilitar transporte de pessoas e diminuir impacto nas rodovias?
Em um primeiro momento, a recuperação ferroviária dos trechos já existentes e que estão em desuso é a medida mais adequada para efeito em curto prazo. Isso já geraria um efeito significativo para desafogar o sistema rodoviário, que comporta atualmente 100% do transporte de passageiros, e possibilitaria a circulação de pessoas pelas ferrovias. O Metrô é um meio específico de transporte ferroviário que tem grande impacto, mas também requer a aceleração de projetos, a previsão orçamentária do Estado e dos municípios e, principalmente, a vontade política dos gestores responsáveis. É o futuro que queremos para todas as cidades da Macrometrópole, com certeza. Afinal, estamos falando de 97 municípios que abrigam 65% da população de São Paulo e oferecer a essas pessoas a opção de ir e vir com agilidade, conforto e segurança é também empregar recursos para o desenvolvimento socioeconômico do nosso Estado.
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