Cultura & Lazer Titulo
Fidel Castro versus bibliotecários
Felicia R. Lee
Do New York Times
05/07/2003 | 17:48
Compartilhar notícia


Um dos últimos lugares em que se espera encontrar um debate sobre livre expressão é a ALA (American Library Associaton), a maior e mais antiga organização desse tipo e uma campeã de acesso aberto à informação. Mas quando o assunto é tão polêmico como Cuba, tudo é possível.

Durante a conferência anual da ALA em Toronto, no Canadá, que acabou na quarta-feira passada, começou entre seus membros algo como uma pequena guerra fria cultural sobre o que são as bibliotecas independentes de Cuba. Pequenas bibliotecas, que operam dentro de casas, circulam materiais que os bibliotecários dizem ser banidos pelo governo de Fidel Castro.

Para alguns membros da ALA, a associação tem ignorado a repressão a seus colegas cubanos e a causa de liberdade intelectual. Para outros, um pequeno grupo tenta dominar a organização para conseguir uma orientação anti-Castro.

A última batalha teve início após a prisão, em março deste ano, de 75 dissidentes cubanos, que receberam sentenças de até 28 anos. Quatorze eram bibliotecários independentes. Foram condenados por "atividades mercenárias e outros atos contra a independência e integridade territorial do Estado cubano", segundo afirmou em editorial o Granma, o diário oficial do governo de Fidel Castro e do Partido Comunista cubano.

Denúncia – Robert Kent, bibliotecário em Nova York e co-fundador do grupo informal de bibliotecários chamado Amigos das Bibliotecas Cubanas, tem pressionado a ALA para denunciar o abuso contra os bibliotecários. "Por pelo menos quatro anos, a ALA ignorou, encobriu ou mentiu sobre a perseguição de pessoas em Cuba cujo único crime foi ter aberto bibliotecas", disse.

Kent e seus simpatizantes pediram à ALA a manutenção de um debate sobre as restrições cubanas que incluiriam cinco bibliotecários – todos trabalham para livrarias governamentais – que foram ao encontro em Toronto. Eles também pediram aos 64 mil membros da ALA a aprovação de uma resolução formal denunciando a censura em Cuba e exigindo a libertação de 14 bibliotecários presos.

No final, a ALA permitiu uma discussão aberta com os bibliotecários cubanos depois de eles terem feito apresentações. Mas adiaram uma resolução sobre Cuba para sua próxima reunião, em janeiro de 2004, dizendo que seus membros precisam de mais informações.

"A reputação da ALA será manchada com isso", afirmou Kent, revoltado com o adiamento da resolução sobre a questão cubana. Mas Maurice J. Freedman, que terminou seu mandato como presidente da ALA e é diretor da biblioteca de Westchester County, menosprezou as queixas de Kent. "A ALA está preocupada com a liberdade intelectual em todo o lugar, mas os fatos de Cuba ainda estão muito obscuros", disse.

Winston Tabb, presidente do comitê de relações internacionais da ALA, concordou: "Houve um acordo unânime de que a resolução ainda não está pronta. É muito complicado. Houve declarações contraditórias. As pessoas são críticas em relação a Cuba".

"Uma das questões era sobre se havia um foco muito centrado em Cuba, e se deveríamos nos focar mais na liberdade de acesso à informação e liberdade de expressão. Essas questões foram levantadas em Cuba, mas acabarão surgindo em outros lugares também", afirmou Tabb.

Também reitor das bibliotecas da norte-americana John Hopkins University, em Baltimore, Tabb citou a Turquia e o Zimbábue. No passado, a ALA se manifestou contra a censura de bibliotecas na África do Sul e, recentemente, condenou a destruição da biblioteca nacional do Iraque.

Alguns membros da ALA afirmam que os bibliotecários mais independentes, cerca de 100 em Cuba, não são treinados profissionalmente e são na verdade dissidentes políticos. "Se você tem 100 livros em sua casa e você os torna disponíveis a amigos, você é um bibliotecário?", questiona Edward Erazo, diretor do subcomitê da América Latina da ALA e coordenador de instrução de bibliotecas no Broward Community College em Davie, na Flórida.

Para outros, a onda de prisões em Cuba oferece razão suficiente para denúncia. "Somente esta última demonstração sobre o aprisionamento de bibliotecas independentes é uma prova forte de que a liberdade intelectual está em perigo. No mínimo, ocorre um pecado quando um regime transforma em crime o estabelecimento de uma biblioteca em sua casa", disse Laura Y. Tartakoff, professora de Ciência Política da Case Western University, de Cleveland.

Versões – Para Michael Dowling, diretor de relações internacionais da ALA, o problema sempre foram versões diferentes da verdade. "Mesmo com muitas associações de bibliotecas realizando missões de descoberta em Cuba, ainda não houve provas suficientes de que os livros tenham sido banidos e os bibliotecários perturbados", afirmou. Fidel Castro disse que nenhum livro foi proibido e que as bibliotecas não têm dinheiro para manter seus acervos atualizados.

Um relatório da ALA sobre a questão cubana afirma: "Considerando o pequeno número de leitores das coleções privadas e a falta de bibliotecários treinados, o modo mais efetivo para o governo norte-americano colocar informações nas mãos do povo cubano é entregar livros diretamente ao sistema extensivo de bibliotecas. Se o governo desejar que a informação fique livre e sem censura, deverá permitir que as coleções independentes funcionem sem interferências".

Mark Rosenzweig, diretor do Centro de Referência de Estudos Marxistas, de Nova York, defende que Cuba tem um dos melhores sistemas de bibliotecas no chamado mundo em desenvolvimento e que nenhum livro foi oficialmente banido. Ele afirmou que os bibliotecários independentes não tinham conexão com profissionais e que eram apoiados por grupos norte-americanos contra Castro. "São um bando de pessoas baixas que se envolveram com as provocações do movimento dissidente", disse Rosenzweig sobre as bibliotecas independentes.

Freedman, ex-presidente da ALA, afirmou que alguns membros da associação haviam acusado os bibliotecários independentes de serem "agentes pagos do governo norte-americano". Kent reconheceu que algumas de suas dez viagens para Cuba foram custeadas pela Freedom House, um grupo de direitos humanos, e também pelo Centro por Cuba Livre, uma organização anti-Castro.

Brigid Cahalan, bibliotecária da Biblioteca Nacional de Nova York, disse que até a reunião de janeiro os ânimos terão se acalmado e mais detalhes serão evidenciados. "Muitos na ALA não entendem que essa seja uma questão de liberdade intelectual. Talvez eles tenham começado a repensar as coisas, baseando-se no que ouviram e leram."




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;