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Costa-Gavras: 'Todo país deveria proteger a sua produção nacional'
10/12/2022 | 08:40
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Lançados comercialmente antes de Z (1969) se tornar um fenômeno de público e crítica, os dois primeiros longas do cineasta franco-grego Konstantinos Gavras (ou Costa-Gavras), Tropa de Choque: Um Homem a Mais (1967) e Crime no Carro Dormitório (1965), voltam a circular com cópias restauradas, a começar pela Europa, nos preparativos para os 90 anos do cineasta, a ser festejado em fevereiro que vem.

A primeira exibição se deu em agosto, no 75º Festival de Locarno, na Suíça, no qual o diretor recebeu um Leopardo de Ouro honorário, pelo conjunto da carreira. Uma carreira coroada com a Palma de Ouro de Cannes (por Desaparecido, Um Grande Mistério, de 1982, pelo qual conquistou também o Oscar de melhor roteiro), o Urso de Ouro da Berlinale (por Muito Mais Que Um Crime) e o César (de roteirista, por Amém).

E essa trajetória se abre, agora, às narrativas serializadas. Seu atual projeto, em fase de desenvolvimento de roteiro, é uma série que ele confecciona em duo com o escritor francês Marc Levy e baseada em uma trilogia literária chamada 9, sobre um grupo de hackers que tenta defender o mundo e a democracia de um ditador. Não se sabe ainda se a adaptação será para a TV ou streaming. Mas Costa-Gavras dá alguns detalhes desse processo criativo ao Estadão, em uma conversa em Locarno.

Seus dois primeiros longas resgatados por Locarno atestam que o senhor sempre filmou com plena liberdade, mesmo quando rodou produções americanas, como O Quarto Poder e 'Atraiçoados. Mas como fica essa liberdade em um projeto que possa ir para o streaming?

As plataformas digitais têm essa dimensão singular de poder alcançar milhões de pessoas no mundo todo ao mesmo tempo. Estou nesse projeto de forma embrionária, em um processo de escrita de episódios em que tento buscar um caminho particular de dramaturgia. E tenho me perguntado sempre o que fazer, questionando quando um episódio está pronto. E a pergunta que mais me vem à cabeça é: "Uma série é algo fora da arte?". Eu me questiono assim ao ver como as pessoas consomem as séries. Terminam uma e vão para outra e depois outra, e depois outra.

Mas nos filmes o processo é muito diferente, mesmo quando se pensa em uma cultura cinéfila? O senhor questiona o consumo ou a maneira como as plataformas tratam os processos artísticos?

Faço filmes na França. Lá, existe uma política pública que protege a produção local, que fomenta os filmes internos, em nossa língua. Todo país deveria ter uma política cultural que protegesse e fomentasse sua expressão nacional, e não apenas no cinema. Mas, no caso das plataformas, a lógica não é política, mas econômica. Não é a perspectiva cultural que guia os projetos e, sim, um interesse econômico, o que dá a esses streamings a margem de influenciar no trabalho dos criadores de conteúdo, de modo a agradar a quem interessa: os assinantes.

No fim dos anos 1960, com a estreia de Z, o senhor revolucionou a maneira de filmar tramas políticas com uma carga de suspense digna de um thriller de Hitchcock. O quanto essa revolução daqueles anos é viável hoje, na lógica dos streamings, e quanto veio dos seus primeiros longas?

As pessoas confundem muito a ideia de poder com política. O ideal de poder se faz presente em vários segmentos da vida, inclusive no crime. Falar de crime sempre foi uma forma de se falar da sociedade, pois, na essência, thrillers são dispositivos espetaculosos para se falar de gente. O thriller traz perspectivas tensas sobre pessoas. Édipo Rei é um thriller. Há nele uma dimensão política, como há em qualquer expressão artística, pois toda narrativa é política. Ela não é política por falar de votos, de eleições. As narrativas são políticas por falarem de como lidamos com as pessoas a nossa volta. Eu nunca quis que meus filmes fossem panfletos ou piquetes. Eu quis que eles fossem espetáculos. O caminho do espetáculo abre diálogo. A maior dificuldade do cinema hoje é dialogar, pois falta escuta.

A noção de comunismo, que o senhor trouxe para alguns de seus filmes, ainda cabe nas narrativas que se fazem hoje?

A palavra não é "comunismo" e, sim, "democracia", que está em xeque em muitos lugares - como se viu com a presença de Trump no poder. Há imagem de comunismo associada historicamente a ditaduras, como se viu na antiga União Soviética. A China era vista assim, mas prosperou comercialmente e passou a ser respeitada em outras vias. A questão que me importa é a injustiça.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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