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Janeth Arcain põe o basquete a serviço da melhoria da vida de crianças e jovens

Em entrevista exclusiva ao Diário, ex-ala-armadora da Seleção de Basquete cita momentos difíceis que precisou encarar para obter as conquistas, tanto profissionais quanto pessoais, e comenta a respeito do seu instituto, que tem sede em Santo André

Lara Delon
Especial para o Diário
26/09/2022 | 08:54
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André Henriques/DGABC


Uma lenda do basquete feminino, campeã mundial, vencedora de duas medalhas olímpicas e váriosoutros títulos comoala-armadora da Seleção Brasileira Feminina de Basquete, a ex-jogadora Janeth Arcain, 53 anos, mostra como a vida de um atleta é cheia de desafios e superações. Em entrevista exclusiva ao Diário, cita momentos difíceis que precisou encarar para obter as conquistas, tanto profissionais quanto pessoais, e comenta a respeito do seu instituto, que tem sede em Santo André e há 20 anos beneficia crianças e jovens de quatro diferentes cidades por meio do acesso à modalidade esportiva que a consagrou.

Raio-X 

Nome: Janeth dos Santos Arcain

Idade: 53 anos

Local de nascimento: Carapicuíba, São Paulo

Hobby: Andar de bicicleta

Livro que recomenda: O Poder da Ação, de Paulo Vieira

Artista que marcou sua vida: Ayrton Senna

Profissão: CEO do Instituto Janeth Arcain

Onde trabalha: Instituto Janeth Arcain

Qual motivo fez a sra. optar pelo basquete?

Foi porque eu vi no basquetebol um esporte muito desafiador, onde a gente tem que se superar a cada momento, tem que ser melhor a cada dia. Então, eu sempre tive um lema comigo: hoje eu tenho que ser melhor do que eu fui ontem. Isso me fortaleceu muito e, é claro, a gente assistindo à modalidade pela televisão. Então, tudo isso me levou a jogar basquetebol.

A sra. começou a jogar basquete muito cedo. Como fazia para conciliar os estudos com os treinos?

Eu comecei a jogar basquete muito cedo, sim. E, naquela época, a gente podia estudar à noite. Então, eu treinava de manhã e estudava à noite. Teve um momento em que eu estudava de manhã e treinava à tarde e à noite. Mas isso daí foi só um ano da minha juventude, acho que eu estava com os meus 16 anos. Depois, eu tive que fazer o rumo contrário. Então, eu estudava à noite e treinava de manhã e à tarde. E a minha rotina sempre foi muito boa. Por mais que eu fizesse ou não, por mais que eu me dedicasse ou não, a gente tinha aquela rotina de acordar, ir para o treino, voltar, descansar, almoçar e depois ir para o treino de novo, e depois estudar. Mas, se você me perguntar se eu faria tudo isso novamente, eu faria tudo de novo, porque foi tudo muito intenso. E dava para conciliar, sim, consegui me formar, terminar os estudos. Então, eu me sinto muito feliz com toda essa etapa que eu tive.

Como a sra. se sentiu jogando ao lado dos seus ídolos?

Para mim, jogar ao lado dos meus ídolos foi algo realmente surpreendente. Foi algo maravilhoso e que aconteceu muito rápido. Foram três anos logo depois que eu comecei a jogar basquete. Mas, tudo isso, devido à minha dedicação, ao que eu vinha fazendo em quadra. E, para mim, estar com os ídolos foi mais um sonho realizado. É você poder sentir e visualizar um caminho onde você pode ser como eles.

Você entrou na WNBA em 1997, no primeiro ano de profissionalização da liga profissional de basquete feminino dos Estados Unidos. Como foi estrear em um time norte-americano?

A liga americana também foi mais um sonho. Foram etapas, era algo que eu esperava bastante, que eu gostei muito de ter participado, de ter ido jogar nos Estados Unidos. Mas, eu acreditava que ainda ia ter uma liga profissional e, quando teve essa liga, eu não pensei duas vezes e aceitei logo de cara. E eu tinha jogado muito bem na Olimpíada de Atlanta, em 1996. Aquilo ali foi realmente a chave para que eu pudesse ir para WNBA e pudesse representar bem o nosso País. Foram quatro títulos, quatro conquistas e quatro anéis, que me trouxeram grandes momentos, grandes desafios, além de ter me proporcionado superação, pois foi onde eu percebi que, realmente, eu me completei como jogadora, porque joguei em várias posições, desde armadora até como pivô. E isso, para mim, foi algo surpreendente porque, no ano de 2000, quando eu joguei como armadora, na liga americana, nós ganhamos o quarto título do Houston Comets. Então, foi uma dinastia, porque uma brasileira estava comandando uma das melhores equipes da WNBA. Ser a única estrangeira a ter esses quatro títulos, é algo inacreditável, muito bom mesmo.

Qual foi a sensação quando soube que faria parte do Hall da Fama do basquete feminino?

O Hall da Fama foi algo que aconteceu meio inesperado. Foi surpreendente. Quando eu recebi a notícia, fiquei muito, mas muito feliz, mesmo. Queria falar para todo mundo, mas não podia, porque eu tinha que guardar segredo até uma certa data. Então, eu segurei aquilo lá por uns 30 dias. E aí, depois, foi realmente muito gostoso, muito bacana. É mais um reconhecimento. Poder estar no melhor do basquetebol. E não só no Hall da Fama do basquete feminino dos Estados Unidos, mas também no Hall da Fama da Fiba (Federação Internacional de Basquete)! É um reconhecimento do trabalho e a realização do que eu vinha fazendo e fiz pelo basquetebol, enquanto jogadora.

Para a sra., como foi a emoção de receber o troféu Adhemar Ferreira?

O troféu Adhemar Ferreira, para mim, foi também muito gratificante, porque toda dedicação, o ímpeto, a vontade, a ética desse atleta, que foi medalhista de atletismo. Uma modalidade que eu acho que eu faria, se eu pudesse voltar lá atrás, eu gosto muito. E foi mais uma honraria mesmo, ter recebido essa premiação, principalmente das mãos da filha dele, no evento do Comitê Olímpico Brasileiro.

Em 2002, a sra. fundou a ONG Instituto Janeth Arcain, para crianças e adolescentes. Como surgiu a ideia desse projeto?

Bom, eu fundei o instituto com a ideia de poder proporcionar para as crianças e jovens de 7 a 17 anos, uma oportunidade que eu tive lá atrás, da minha professora de educação física me introduzir em uma modalidade, de participar de jogos escolares, ter visto os meus ídolos na televisão. Eu quis proporcionar isso para esses jovens que fazem parte do instituto. E eu tenho certeza que a gente está fazendo a diferença na vida deles.

O que o seu instituto oferece para esses jovens?

O instituto oferece muita coisa. Não só a parte esportiva, cognitiva, de cooperação, de amizade, de superação, dedicação, responsabilidade. Isso daí é só um pouco do que é oferecido. Além disso, o instituto beneficia esses jovens com os projetos que nós temos e a nossa metodologia. Tudo isso veio mostrar, ao longo dos anos, que tem um resultado positivo, porque a gente consegue conciliar e fazer com que os jovens também consigam estar nesse caminho, que a gente acredita ser o caminho íntegro, um caminho que ele possa realmente, quem sabe, sonhar até ser um atleta de alto rendimento, como eu fui.

A sra. consegue perceber resultados positivos na formação social entre os alunos?

A gente consegue, sim, ver resultados positivos. Vários atletas já passaram pela formação do instituto. Mas é claro que esse não é o objetivo final. O objetivo é realmente fazer com que esses jovens tenham desenvolvimento integral, seja esportivo, seja cognitivo, seja geral. Como nós falamos, de compreensão, superação, dedicação, de saber lidar com as derrotas, com as vitórias. Tudo isso faz parte da formação do jovem, e a gente é a ponte. O instituto é o caminho para que essa realização, esse sonho desse jovem aconteça, e eles possam chegar a ser um dos melhores em sua vida.

Como avalia a situação do basquete, hoje, em um País que o futebol predomina?

Bom, basquetebol hoje no Brasil, é claro que não está como foi antigamente. Nós tivemos uma geração vencedora, uma geração que conseguiu participar e conseguiu vários títulos. E esses títulos fizeram com que a gente tivesse reconhecimento internacional, reconhecimento nacional. Hoje, a gente vê um pouco essa falta de espelho que esses jovens precisam para que possam realmente representar muito bem a nossa modalidade, o nosso País, o basquetebol. Acho que, do futebol, a gente nem comenta muito, porque é algo fora do normal, e ele sempre vai ser predominante mesmo. Então, acho que a comparação é com as outras modalidades. Eu acho que o basquetebol feminino poderia ainda ser um pouquinho melhor do que já foi anteriormente.

E para atletas mulheres? Os desafios são maiores?

Os desafios são enormes. Ainda mais por ser atleta, por ser mulher, por ser negra. Eu acho que tudo isso vem mostrar que a gente consegue, principalmente no caso de ser mulher. Nós podemos ultrapassar barreiras. A gente tem muita determinação, muita dedicação. O que falta, realmente, são essas oportunidades. Elas acontecem para quem está preparado. Espero que a gente possa ter muito mais mulheres praticando esporte, praticando modalidades, e que a gente consiga ter os resultados anteriormente obtidos, principalmente com a seleção brasileira de basquete. Mas os desafios são sempre grandes, é superação, dedicação, é você mostrar que você é capaz. E encontrar um meio de, quem sabe, futuramente, esse nosso esporte se tornar pelo menos igualitário.

A sra. consegue perceber a importância dos seus títulos para o reconhecimento do basquete feminino?

É claro, eu consigo ver sim, com o reconhecimento das pessoas. Quando eu estou na rua, quando estou em algum lugar caminhando, passeando. Enfim, é o agradecimento das pessoas pela dedicação e pelo que eu fiz, pelo esporte brasileiro. Então, esse reconhecimento, ele é maravilhoso, é ele que fica e gratifica todo o meu trabalho realizado lá atrás. Foram 21 anos como jogadora da Seleção Brasileira e 24 anos como atleta profissional.




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