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Prefeitura de Mauá cobra IPTU de imóveis que ficam na Capital

Loteamento é alvo de ações de reintegração de posse; advogado que representa moradores alega que situação invalida ações na Justiça

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
30/05/2022 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


Ao menos 30 famílias que moram na Vila das Flores, em São Paulo, pagam IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para a Prefeitura de Mauá. De acordo com os moradores, isso acontece porque o terreno que deu origem ao bairro está na divisa entre os dois municípios e alguns lotes ficam na Capital, mas a maior parte pertence ao município do Grande ABC – veja na arte ao lado. Recentemente, a primeira proprietária do terreno pediu reintegração de posse, mas, no entendimento de especialistas, o fato de parte dos imóveis que ficam na Capital estarem registrados em Cartório de Imóvel de Mauá, e da Prefeitura da região fazer o recolhimento do IPTU de toda a área, invalida as ações.

Os moradores estão há mais de dez anos no local – que começou a ser loteado na década de 1970 – e já construíram casas de alvenaria, contam com serviços como fornecimento de água e luz e coleta de esgoto. A recepcionista Marlene de Jesus Gomes, 45, mora na Rua Hans Sulliman há dez anos. Ela relatou que quando comprou o terreno foi ao cartório, à Prefeitura de Mauá, transferiu o IPTU para o seu nome e achou que toda a situação era regular. Ouvindo conversas dos vizinhos soube que o seu imóvel estava, na verdade, em São Paulo. Há cerca de quatro anos não faz o recolhimento do imposto. “O sentimento é de revolta. Todo mundo tem o sonho de ter a casa própria e quando você pensa que chegou nele, que vai ter sua casa, mobiliada, um teto para os seus filhos, tudo desmorona. Eu fui na Prefeitura, me informei para fazer tudo certo, fui no cartório, a hora que recebi o carnê pensei que estava tudo certo. Me sinto enganada pela Prefeitura de Mauá”, afirmou.

Advogado que representa algumas das famílias, Tiago Aruga explicou que quase 70% do loteamento já estava vendido quando, na década de 1990, uma ação do MP (Ministério Público) suspendeu as vendas. Mas sem que a área fosse devidamente cercada e protegida, ela foi grilada e vendida. Por isso, agora, várias ações de reintegração de posse tramitam na Justiça. O defensor alega que, pelo fato de alguns imóveis estarem fisicamente em São Paulo, mas registrados em Mauá, os processos são nulos. “As ações deveriam tramitar em São Paulo e não em Mauá”, argumenta. Aruga afirma que já tentou, em algumas das ações, que o judiciário cobrasse explicações das prefeituras sobre o impasse, mas que tem tido os seus pedidos reiteradamente indeferidos.

Especialista em direito público administrativo do escritório Freire e Braga Advogados, Lucas Braga afirma que essa questão de dúvidas de divisa territorial é comum em muitas cidades, especialmente nas áreas conurbadas, onde não é possível, apenas visualmente, determinar onde começa um município e termina outro. Braga cita que o registro em cartório é um dos elementos para ajudar na solução do conflito e que muitas vezes será necessária a contratação de um perito da área de topografia.

Com relação à alegação de que o fato das ações tramitarem em Mauá, enquanto os imóveis estão em São Paulo, invalidaria as ações, a avaliação do docente de graduação e pós-graduação de cursos na Universidade Secovi-SP, instituição focada no mercado imobiliário,sócio do PMMF Advogados e especialista em direito público, Ulisses Penachio, é a de que se a competência realmente for de São Paulo, as ações serão anuladas.

Administração mauaense diz que tentou resolver impasse

A Prefeitura de Mauá informou, em nota, que quando o proprietário original da área realizou o cadastro para loteamento, fez o procedimento como se toda a gleba estivesse localizada na cidade. Que os imóveis construídos na área foram registrados em cartório como localizados em Mauá, por isso o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) é cobrado, desde então, pela Prefeitura mauaense. A administração alegou que já houve tentativas de regularização conjunta com a prefeitura de São Paulo, com intermediação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Segundo o comunicado, não houve retorno de gestores da regional da Capital.

“O Consórcio também já intermediou situações semelhantes com outras divisas municipais. No momento, não há tratativas sobre o assunto. Para mudança dos limites municipais, é necessário que a Assembleia Legislativa apresente um Projeto de Lei solicitando a alteração”, concluiu a nota.

A Prefeitura de São Paulo ressaltou que o IPTU é imposto devido sempre ao município em que se encontra o imóvel, não podendo município diverso exigi-lo e que caso algum imóvel localizado na cidade de São Paulo tenha recebido cobrança indevida por outro município, cabe ao contribuinte solicitar a restituição dos valores eventualmente pagos. Segundo a administração da Capital, o órgão responsável pela ratificação dos limites intermunicipais no Estado de São Paulo é o IGC (Instituto Geográfico Cartográfico). A prefeitura da Capital não respondeu, no entanto, se tem trabalhado para solucionar a questão junto à administração mauaense.

Sobre os pedidos do advogado para que as prefeituras se manifestassem nos processos, que foram indeferidos pelo Judiciário, o TJ-SP (Tribunal de Justiça) informou que não se manifesta sobre questões jurisdicionais. “Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente.”
 




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