Cultura & Lazer Titulo Biografia
Um rabino humano, demasiado humano

Livro expõe virtudes e deslizes de Henry Sobel, símbolo da luta por direitos humanos na ditadura

Evaldo Novelini
Do Diário do Grande ABC
13/03/2022 | 07:00
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Vinte e sete de outubro de 1975. O corpo do jornalista Vladimir Herzog descia a uma sepultura localizada na área central do Cemitério Israelita do Butantã, na Capital, para espanto dos presentes. Suicida de 38 anos, Herzog deveria ser enterrado na periferia do campo santo, conforme recomendava a tradição judaica a quem tirasse a própria vida.

A história oficial registra que a intervenção do então jovem rabino Henry Sobel, português nascido em Lisboa e havia pouco morando no Brasil, vindo dos Estados Unidos, foi essencial para evitar a derradeira injustiça ao jornalista, que, na verdade, havia sido assassinado pela ditadura militar em vigência no País. O suicídio tinha sido só uma desculpa para tentar esconder a real causa da morte: a tortura infligida por agentes do Estado ao militante comunista preso nos porões do DOI-Codi, o temido órgão de repressão do Exército.

Ao ser informado de que o corpo do jornalista apresentava sinais de agressão, Sobel teria dado a ordem para sepultar Herzog no centro do cemitério, em claro confronto à versão oficial dos militares. Sabe-se agora, todavia, que o rabino não divulgou a história como ela, de fato, aconteceu.

“O rabino, ao me contar o episódio, afirmou que enterrou Vlado no centro do cemitério para demonstrar que a comunidade judaica não corroborava a narrativa do suicídio. Mas foi o chazan Paulo Novak (...) que comandou a cerimônia”, relata a doutora em História Beatriz Kushnir na biografia Henry Sobel – O Rabino do Brasil (Ex-Libris Editora, 385 páginas, R$ 75), que o jornalista Jayme Brener lança na quinta-feira, às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

Beatriz desmascarou Sobel ao lançar o livro Cães de Guarda, em 2004, ao qual ele reagiu com um “fax irado”. “Seja quem for que tomou as decisões, a opinião pública consagrou a versão que deu a Sobel a voz de comando no desafio à história oficial dos militares”, pontua Brener.

Com a ajuda de dezenas de depoimentos, todos de pessoas que conheceram o religioso, a obra reconstrói a trajetória de Henry Isaac Sobel (1944-2019), que durante quatro décadas presidiu a poderosa e influente Congregação Israelita Paulista e foi um dos principais defensores dos direitos humanos na história do Brasil.

Embora o autor não consiga disfarçar a admiração que sente pelo rabino, ele não é condescendente. Nas páginas do livro, Henry Sobel aparece protagonizando tanto episódios de absoluta magnitude quanto de extrema fraqueza. Em todos eles, porém, o religioso atua com determinação e coragem, dois dos principais traços de sua personalidade.

Ora o rabino surge organizando o ato ecumênico na Catedral da Sé para denunciar ao mundo torturas e assassinatos praticados pela ditadura brasileira (1964-1985), ora sendo fichado pela polícia norte-americana após sair de uma loja da grife Louis Vuitton, na Flórida, sem pagar por quatro gravatas – ele teria praticado o furto sob efeitos de remédios contra a depressão. 




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