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Qual o chá para a consciência?
Antonio Carlos do Nascimento
14/02/2022 | 08:12
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Os produtos à base de plantas habitam prateleiras dedrogarias, comércios de alternativos e mesmo em bancadas nas ruas e feiras livres. Possuem grande aceitação popular e o motivo dessa simpatia decorre da crença que, por serem naturais, entregam apenas benefícios.

A comercialização oficial destes itens ocorre unicamente com a liberação da Anvisa, que muito embora solicite inúmeros pré-requisitos, a licença é obtida sem os rigores exigidos para os medicamentos sintéticos.

Mais preocupante são as plantas, de supostas ações curativas, vendidas sem qualquer controle sanitário, a granel, secas ou frescas, que, além do risco de contaminações por microrganismos, não contam com a retirada de potenciais toxinas, próprias daquele vegetal. Neste mesmo cenário estão as ofertas da web, nas quais são oferecidos chás e cápsulas para variados tipos de doenças, inúmeras vezes sem o crivo da supracitada agência reguladora.

São muitos os possíveis danos relacionados ao consumo indiscriminado destes produtos, sejam de comércio oficial ou oficioso, podendo resultar em alterações de vários de nossos sistemas, seja pelo uso prolongado ou mesmo no curto prazo. Alteração de comportamento promovida por alucinógenos contidos na mistura, alergia induzida por componentes do material, agressão renal e injúrias gastrointestinais pelo composto são alguns dos comprometimentos mais comuns em usuários desavisados ou menos comedidos.

Mas dentre as mais perigosas ocorrências está o dano hepático provocado por vários elementos de algumas destas composições, com a lesão podendo se desenvolver silenciosamente, ou, de maneira súbita, com total falência e destruição do órgão, como se dá na hepatite fulminante.

E foi a total destruição do fígado, provocada pela toxicidade de um chá, vendido como emagrecedor, que impôs o transplante hepático de urgência como única alternativa para a enfermeira Mara Abreu, 42 anos, que infelizmente não desobedeceu às estatísticas, e morreu, como ocorre em 90% destes casos.

A pretensão deste artigo está distante de preterir alternativas terapêuticas não convencionais, mas intenciona advertir que afora a adoção de hábitos sabidamente saudáveis, todo o restante deve ser feito com muita parcimônia e, preferencialmente, sob a tutela de profissionais ou normativas de serviços de saúde.

Falhamos por abusar da (falsa) inocência dessas substâncias de origem vegetal, mas erramos também quando utilizamos indiscriminadamente e sem orientação médica anti-inflamatórios, analgésicos, protetores gástricos, antialérgicos e emagrecedores, para anotar nossas práticas mais comuns.

Para Celso, médico e físico do século XVI, dizia que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose, e a compreensão deste conselho ainda nos permite alguns deslizes, porém, o sábio senhor provavelmente sabia que, para algumas substâncias, o limite entre a morte e a vida é impreciso e variável! 

Antonio Carlos do Nascimento é doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.




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